Correio Braziliense, n. 21153, 24/04/2021. Economia, p. 6

Orçamento para atender ao Centrão
Rosana Hessel
Marina Barbosa


Ao publicar a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, ontem, com vetos, o governo divulgou alguns detalhes do acordo com o Congresso para a sanção da peça orçamentária. Os cortes promovidos por Bolsonaro no texto aprovado em 25 de março pelo Congresso somaram R$ 29,1 bilhões, sendo que R$ 17,2 bilhões foram apenas despesas discricionárias, importantes para o funcionamento da máquina pública. Analistas ouvidos pelo Correio avaliam que a administração federal vai operar sob o risco constante de apagão, porque o governo resolveu priorizar as emendas parlamentares para obras eleitoreiras para montar palanque em 2022.

Do corte total da LOA, R$ 19,8 bilhões foram por meio de vetos a emendas parlamentares (R$ 11,9 bilhões) e supressão de despesas discricionárias (R$ 7,9 bilhões). Além disso, houve um bloqueio temporário de R$ 9,3 bilhões de gastos não obrigatórios do Executivo, via decreto de contingenciamento.

Ao apresentar os dados, técnicos do governo não explicaram quais emendas foram preservadas em um claro movimento para evitar admitir que o presidente cedeu aos parlamentares do Centrão, no tradicional toma lá dá cá.

Porém áreas importantes não foram poupadas dos cortes, como o Ministério da Educação e o da Saúde — em meio ao momento mais grave da pandemia da covid-19.

Grosso modo, o corte de R$ 17,2 bilhões de despesas discricionárias reduziu de R$ 101,5 bilhões para R$ 84,3 bilhões os gastos não obrigatórios que constam na previsão autorizada pelo Congresso, sem incluir as emendas, mas cálculos mais precisos estão sendo feitos por analistas.

Risco

"Há um risco iminente de shutdown da máquina, e ele vai acontecendo aos poucos, como o caso do Censo", alertou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). "O governo escolheu operar no fio da navalha", destacou.

Já o corte de emendas foi menor: R$ 11,9 bilhões dos R$ 49,2 bilhões aprovados pelo Congresso. Ou seja, R$ 37,3 bilhões foram preservados. O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, acredita que "ainda sobrou muita emenda". "A solução do governo vai ser administrar o Orçamento na boca do caixa, à medida que forem surgindo problemas de funcionamento da máquina, ou seja, vai administrar tudo sob pressão, sem margem para correção de rumos", lamentou.

Os ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Educação (MEC) lideram as listas dos maiores vetos e bloqueios, somando, ao todo, R$ 3,9 bilhões e R$ 9,5 bilhões, respectivamente. No caso do MDR, que teve maior volume de redução conjunta, houve corte de R$ 8,6 bilhões de redução via vetos de emendas parlamentares. A Educação teve o maior contingenciamento, de R$ 2,8 bilhões, com bloqueios que vão desde modernização de universidades federais até compra de veículos para o transporte de alunos da educação básica. Procurada, a pasta informou que está avaliando os números, "bem como as implicações antes as políticas do ministério".

Até mesmo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), para o qual Bolsonaro prometeu dobrar as verbas de fiscalização durante a Cúpula do Clima, não tinha escapado do bloqueio, inicialmente, de R$ 255 bilhões. Contudo, no fim do dia, após a má repercussão da medida, a Economia divulgou uma nova planilha, sem contingenciamento para a pasta chefiada por Ricardo Salles. Mesmo assim, não haverá recursos suficientes para cumprir a promessa de Bolsonaro.

Teto

Na avaliação de Castello Branco, mesmo ameaçando o funcionamento da máquina, os cortes anunciados ontem não garantem o cumprimento do teto de gastos — regra que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior — neste ano. Isso, apesar de o Congresso ter alterado a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 autorizando o governo a colocar as despesas extraordinárias relacionadas à pandemia da covid-19 fora da regra.

"O Executivo se colocou em uma situação de risco. O nível de despesa discricionária é muito baixo. Por isso, o Executivo vai ficar controlando os recursos na boca do caixa e pode descontingenciar valores se uma área for drasticamente afetada. Porém não há margem para novas despesas no teto de gastos. Então, para desbloquear, vai precisar cortar outros gastos", explicou.

Pelos cálculos da IFI, o buraco para o cumprimento do teto de gastos neste ano é de R$ 31,9 bilhões. Portanto, o corte anunciado ainda não é suficiente para o cumprimento dessa regra. Além disso, mais de R$ 100 bilhões de despesas emergenciais ligadas à covid-19 ficarão extra-teto devido à alteração na LDO de 2021.

De acordo com o secretário da Contas Abertas, a confusão no Orçamento é fruto de uma decisão política do governo de Jair Bolsonaro. "Politicamente, não teve outra solução senão acatar o que o Legislativo impõe, por conta da CPI da Pandemia, impeachment e todas as ameaças que pairam sobre o presidente. O governo cedeu às pressões do Legislativo", lamentou Castello Branco.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avaliou que, mesmo com os cortes, o aumento de despesas que ficarão fora do teto de gastos levará o deficit primário deste ano a R$ 300 bilhões — acima da meta fiscal prevista na LDO de 2021, de R$ 241,7 bilhões.