Título: Governo ataca democracia
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2005, Internacional, p. A10

Prefeito da capital mexicana e líder nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2006 sofre com perseguição política

No Hemisfério americano, não só no Equador a democracia está em teste. No México, hoje, um protesto de esperados 400 mil, na capital, promete dar um basta ao caso que tem levantado suspeitas sobre a legitimidade e a vitalidade do regime democrático no país.

No palanque estará Andrés Manuel López Obrador. O prefeito da capital mexicana vem do Partido da Revolução Democrática (PRD), de esquerda, e lidera todas as pesquisas de opinião relativas às eleições presidenciais de julho de 2006.

Obrador faz jus à linha populista da esquerda latino-americana e tem ganhado força com programas de assistência social. Força e ações na Justiça. Por um dos projetos do prefeito gira todo o atual debate político mexicano.

O fato é que Obrador mandou abrir uma estrada que facilita o acesso da população da capital a um hospital, mas sem esperar pelo fim da ação de desapropriação de um terreno privado por onde passa a via. Com isso, a Procuradoria-geral mexicana entrou com uma ação contra o prefeito, no ano passado.

- O governo federal claramente quis tirar Obrador da briga pela presidência, fazendo uso político da Justiça - afirmou, ao JB, da Cidade do México, o professor Raúl Benitez Manaut, da Universidade Nacional.

Tudo passa pela Lei do país que proíbe acusados (e não ''condenados''), em qualquer processo judicial, de concorrer à presidência.

O passo seguinte contra o prefeito foi tomado há duas semanas, em uma reunião do Congresso, dominado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), que reinou durante 71 anos como partido único no México - até a eleição de Vicente Fox, em 2000 -, e pelo Partido da Ação Nacional (PAN), do presidente. Os deputados aprovaram a retirada da imunidade do prefeito da capital, abrindo caminho para a abertura do caso e para o impedimento da candidatura obrador, que tem até janeiro de 2006 para ser oficializada.

Tanto o PRI quanto o PAN já têm candidatos declarados à presidência mexicana. Roberto Madrazo, pelo primeiro, e, Santiago Creel - atual ministro do Interior -, pelo segundo. Ambos correm atrás de Obrador nas pesquisas de opinião.

- Não há nenhuma dúvida de que o motivo é político - disse o renomado mexicanista Bruce Bagley, da Universidade de Miami. - É interessante notar que o PRI e o PAN discordam de tudo, mas estão juntos na empreitada contra Obrador. Além disso, o erro da Prefeitura foi uma falha de burocracia. Este tipo de caso normalmente é resolvido com um processo administrativo e sanções financeiras à administração. Nunca com uma perseguição deste tipo.

O populismo de Obrador agradece. Na última quarta-feira, a promotoria emitiu o mandado que obriga o prefeito a se apresentar ao juiz, um ex-procurador federal de 36 anos, que tem até o dia 10 para decidir se o caso tem ou não procedimento.

A fiança foi estabelecida: 2 mil pesos (US$180), mas Obrador queria mesmo era a foto atrás das grades. Foi aí que apareceram dois deputados do PRI, que pagaram o estipulado e libertaram o prefeito. Por incrível que pareça, Obrador briga agora pelo direito de não aceitar o ''presente'' e de permanecer trancafiado.

Segundo sondagens recentes, 72% dos mexicanos acreditam que a perseguição é política e 2/3 se dizem dispostos a atos de desobediência civil para apoiá-lo. Não à toa o governo Fox já sinalizou com uma tentativa de acordo. Do outro lado, Obrador diz que será candidato até da cadeia.

Em um comício na quinta-feira, o líder nas pesquisas para a presidência mexicana afirmou que Vicente Fox é um ''traidor da democracia''. Obrador se referiu ao resultado histórico alcançado pelo presidente, que derrotou o PRI, depois de mais de 70 anos de reinado do partido único no México.

- Só quem perde nisso tudo é a democracia e o governo - afirmou Bagley. - Obrador está fortalecido.

Em Soror Juana Inés de la Cruz, uma freira-poeta mexicana (e moderna) do século 17, o escritor Octavio Paz (1914-1998) sugere que a história do México é uma sucessão de placas culturais sobrepostas umas sobre as outras, a última sempre como negação da anterior.

Assim, diz Paz, o governo laico formado depois da independência - no início do século 19 - e da dissolução do vice-reino da Espanha, estabelecido em 1524, criou uma autoridade mais centralizada e poderosa do que qualquer outra anterior, carregada de pré-modernismos religiosos (não-seculares). Nenhum vice-rei da Espanha, afirma o escritor, teve o poder que tem o presidente do México. Poder de prender oponentes, de manipular a Justiça e de resistir às transformações históricas do país.