Título: A contribuição dos ex-presidentes
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 24/04/2005, Outras Opiniões, p. A15
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney a Roma, onde se encontraram com o ex-presidente Itamar Franco, para as homenagens do povo brasileiro no funeral do papa João Paulo II, suscitou uma reflexão sobre se seria adequado proporcionar aos ex-presidentes a possibilidade de se tornarem senadores vitalícios.
Antes de viajar, o senador Aloísio Mercadante, líder do governo no Senado, consultou o líder do PSDB, senador Artur Virgílio, autor da proposta quando era deputado, se gostaria de reapresentá-la agora no Senado. Ele se entusiasmou com a idéia. O assunto foi levantado informalmente numa mesa de café de Roma, na presença daqueles personagens e mais dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcante.
O assunto causou forte polêmica. Pois, conforme lembrou o presidente José Genoíno, o PT havia tomado posição contrária à proposição quando ela foi apresentada na legislatura passada. No Senado Federal, o parecer contrário à proposição foi do senador José Eduardo Dutra (PT). Em 2002 eu próprio fiz um pronunciamento a respeito, também contrário, uma vez que não estava convencido de que ela contribuiria para o aperfeiçoamento da democracia.
Os argumentos apresentados pelos senadores Aloísio Mercadante e Artur Virgílio são de que é preciso dar aos ex-presidentes a possibilidade institucional de contribuir para o debate das idéias. Pela proposição, eles não teriam direito a voto, mas teriam direito à remuneração, semelhante à dos demais senadores, bem como à estrutura de gabinete, direito a passagens aéreas para seus estados e moradia em Brasília. Ademais, teriam o direito de ser julgados, em caso de ocorrer indiciamento, pelo Supremo Tribunal Federal.
Argumentam os defensores da idéia que os ex-presidentes deveriam ter pelo menos o direito de pensão, que não foi contemplado pela Constituinte de 1988. É certo que os ex-presidentes têm grande experiência e conhecimento. Entretanto, se for importante ouvi-los, será melhor convidá-los a prestar depoimentos no plenário do Senado ou das comissões temáticas. Quero consultar meus colegas para poder apresentar projeto de resolução nesse sentido, inclusive para viabilizar a oitiva de um ex-presidente sempre que este considerar relevante. Para transmitir a sua experiência, ou para obter uma remuneração após deixarem a presidência, a criação da figura do senador vitalício não é necessária.
Há que pensar, primeiro, na significativa diferença de legitimidade daqueles que chegam ao Senado pelo voto popular para a função de legisladores, fiscalizadores do Executivo e representantes do povo de seus estados. Como se sentiriam os senadores vitalícios de estarem lá só com o direito de falar e de não votar? Como conceber que algumas unidades da Federação - como Minas Gerais, Maranhão e São Paulo - passarão a ter maior direito de voz do que os demais estados? Que tipo de obrigatoriedade terão os senadores vitalícios de comparecer às comissões ou ao plenário, se na hora de verificar o quorum para qualquer votação a sua presença não conta? Poderão fazer longas viagens ao exterior, sem qualquer responsabilidade de comparecer ao Senado?
E se ocorrer a hipótese, conforme alertava o senador Pedro Simon (PMDB), de os ex-presidentes começarem a polarizar os debates em plenário, aglutinando em torno de si, digamos, os partidários de Fernando Henrique de um lado, os de Lula de outro, criando situações difíceis para quem está exercendo o poder Executivo?
Se na Itália, no Chile e talvez em poucos outros países se instituiu o senador vitalício para ex-presidentes da República, é preciso considerar o caso de tantos outros onde proposta semelhante foi recusada após melhor reflexão, como na França e nos EUA. O debate deve ser feito no mais alto nível, mas estou cada vez mais convencido de que no Senado só devem estar os que forem eleitos diretamente pelo povo para exercer a função específica de senadores.