O Estado de S. Paulo, n. 46600, 19/05/2021. Política, p. A8

Estadão Verifica: Depoimento tem inverdades sobre China

Alessandra Monnerat
Victor Pinheiro
Bianca Gomes


Em depoimento ontem na CPI da Covid, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo fez alegações falsas sobre a relação do Brasil com a China sob sua gestão no Itamaraty e sobre a vacinação no País. A seguir, a checagem feita pelo Estadão Verifica das declarações do exchanceler aos senadores.

China. Araújo negou ter feito qualquer “declaração antichinesa” durante sua passagem pelo ministério, o que é falso. Em abril do ano passado, por exemplo, o então chanceler publicou em seu blog um texto intitulado “Chegou o comunavírus” – termo pejorativo usado para associar a origem geográfica do novo coronavírus ao regime vigente na China. No texto, ele fala em um “jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia”, que, segundo ele, teria como objetivo “subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformálo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controlável”.

Embaixador. “Jamais provoquei nenhum atrito com a China”, disse o ex-ministro, em outra alegação falsa. Em março do ano passado, Araújo entrou em atrito com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Na ocasião, o então chanceler saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) após o filho do presidente Jair Bolsonaro compartilhar uma mensagem no Twitter que culpava o país asiático pela pandemia de covid-19.

“A parte chinesa repudia veementemente as suas palavras, e exige que peça desculpa ao povo chinês. Vou manifestar nossa indignação junto ao Itamaraty”, reagiu o embaixador. Araújo considerou que a postura da China feriu “a boa prática diplomática” e pediu retratação por parte de Wanming.

Vacina. O ex-chanceler declarou que o Brasil “foi o primeiro país a receber vacinas da Índia”. Trata-se de outra inverdade, já que, em janeiro, a Índia anunciou que exportaria material para a produção de imunizantes para seis países – o Brasil não estava nesse grupo. Segundo comunicado do dia 19 daquele mês, o Ministério das Relações Exteriores da Índia disse que receberiam insumos Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e o arquipélago de Seychelles.

Na época, o Brasil tentava importar vacinas da Índia, mas as negociações “travaram”, conforme informação do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O Brasil chegou a preparar um avião para buscar dois milhões de doses, mas não recebeu um “ok” do lado indiano.

Consórcio. “Jamais fui contra (o consórcio), o Itamaraty esteve atento desde abril de 2020. Assim que o Covax tomou forma, em julho, assinei carta dizendo que o Brasil tinha interesse em entrar”, afirmou Araújo. A primeira reunião da OMS para criação do Covax Facility ocorreu, de fato, em abril de 2020, mas o Brasil não participou dessa tratativa inicial. No fim de agosto, a OMS anunciou que o Brasil havia manifestado interesse em aderir.

Procurado, Araújo não respondeu à reportagem até a conclusão desta edição. / Alessandra Monnerat, Victor Pinheiro e Bianca Gomes

‘Pesadelo’

“(O medo do coronavírus) Nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista.”

Ernesto Araújo

Ex-Chanceler, no texto ‘Chegou O  Comunavírus’ publicado em 2020