O Estado de S. Paulo, n. 46601, 20/05/2021. Política, p. A4
PF investiga Salles em esquema de corrupção
André
Borges
Pepita Ortega
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo ontem de operação da
Polícia Federal que aponta seu envolvimento em suposto esquema de corrupção
montado para atuar na exportação ilegal de madeira. Além de Salles, o
presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e a cúpula do órgão ambiental são
suspeitos de favorecer o contrabando de produtos florestais no País.
As
suspeitas, que passam por nove tipos de crime, atingem um dos principais
auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, eleito com a bandeira do combate à
corrupção e que costuma repetir não haver irregularidades no seu governo. O
presidente ignorou o assunto ontem.
A
operação, batizada de Akuanduba, foi autorizada pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na decisão, o
magistrado destacou que um relatório de inteligência financeira indicou
“movimentação extremamente atípica” de dinheiro, um total de R$ 14,1 milhões,
envolvendo um escritório do qual Salles é sócio, em São Paulo, em transações
realizadas entre 2012 e junho do ano passado. Moraes determinou a quebra dos
sigilos bancários e fiscais do ministro, assim como dos outros 22 alvos da
investigação.
Salles
negou irregularidades e disse que o ministro do Supremo foi “induzido ao erro”
ao autorizar a operação .
As
investigações da PF apontam a existência de um “modus operandi” que passou a
vigorar em exportações ilícitas de madeira, a partir de mudanças na legislação
realizadas para facilitar a saída de material do Brasil, a pedido de
madeireiros. No centro das acusações está um despacho assinado pelo presidente
do Ibama, em fevereiro do ano passado, conforme revelado à época pelo Estadão.
Entre
o fim de 2019 e início de 2020, o órgão ambiental havia recebido uma série de
demandas de madeireiros para facilitar a exportação, mexendo nas regras de
fiscalização. Na ocasião, empresas enfrentavam bloqueio de cargas,
principalmente nos Estados Unidos, e procuraram a cúpula do Meio Ambiente para
tentar resolver a situação. A PF afirmou que Salles e a diretoria do Ibama se
reuniram no dia 7 de fevereiro, em Brasília, com associações do setor, como a
Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), a Associação das Indústrias Exportadoras de
Madeira do Pará (Aimex) e o Centro das Indústrias do
Pará (CIP).
As
entidades reclamaram de apreensões de produtos florestais exportados sem a
devida documentação pelas empresas Ebata Produtos
Florestais Ltda. e Tradelink Madeiras Ltda., para os
Estados Unidos. Menos de um mês após o encontro, no dia 25 de fevereiro do ano
passado, o presidente do Ibama editou um “despacho interpretativo” que, numa
canetada, anulava a necessidade de autorização específica para exportação de
madeira.
“Na
sequência, pelo que consta da representação da autoridade policial, houve o
atendimento integral e quase que imediato da demanda formulada pelas duas
entidades, contrariamente, inclusive ao parecer técnico elaborado por
servidores do órgão, legalizando, inclusive com efeito retroativo, milhares de
cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”, registrou Moraes ao
detalhar as condutas atribuídas pela PF ao ministro Ricardo Salles.
Origem. Com
a nova instrução do Ibama, os produtos florestais passaram a ser acompanhados
apenas do chamado Documento de Origem Florestal (DOF), algo que, como alertou a
própria área técnica do órgão ambiental, não era suficiente para garantir a
fiscalização. Essas observações, no entanto, foram ignoradas e a nova regra
passou a vigorar.
O
chamado DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas
para que a madeira seja levada até o porto, ou seja, é uma licença de
transporte e armazenamento, enquanto a instrução até então vigente exigia uma
autorização específica para exportação. Com a mudança, uma guia de transporte
emitida pelos órgãos estaduais passou a valer no lugar de uma autorização do
Ibama.
Ao
acatar o pedido dos madeireiros, Bim aceitou o argumento das empresas de que a
exigência da autorização específica teria “caducado”, porque teria sido
revogada pela existência de outro recurso, o Sistema Nacional de Controle da
Origem dos Produtos Florestais (Sina or), implantado
em 2014.
“Equivocado
entender que o DOF exportação não possibilita a fiscalização da carga, quando
não apenas isso é possível, pelo dever geral de proteção ambiental, como
expressamente previsto”, declarou Bim no despacho. “A fiscalização ambiental
não é prejudicada.”
A
decisão chegou a ser festejada pelos madeireiros, como mostrou o Estadão. Três
dias depois da mudança, o Centro das Indústrias do Pará (CIP) enviou carta ao
presidente do Ibama em que o agradeceu por “colocar em ordem as exportações de
madeira”.
Os
investigadores apontaram que, após o despacho que atendeu aos pedidos das
madeireiras, “servidores que atuaram em prol das exportadoras foram
beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que
servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas foram exonerados por
ele”. Na decisão em que autorizou a operação, o ministro do Supremo Alexandre
de Moraes determinou a suspensão da nova norma.
‘Boiada’. Ao
detalhar a participação de Salles no esquema sob suspeita, a PF chegou a
reproduzir falas do ministro durante a reunião ministerial do dia 22 de abril
de 2020 no Palácio do Planalto. Na ocasião, o titular do Meio Ambiente disse
que era preciso aproveitar a “oportunidade” da pandemia do coronavírus
para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. O
vídeo do encontro foi divulgado no ano passado, por ordem do então ministro do
STF Celso de Mello, no âmbito do inquérito que investiga se Bolsonaro
interferiu na PF.
Decisão
“O
que se descortinou das investigações foi a existência, em tese, de grave
esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, dentre outros
crimes, do qual fariam parte diversos agentes públicos e pessoas jurídicas.”
Alexandre
de Moraes
Ministro
do Supremo
Caminho
Ilegal
●
Esquema de propinas que inclui servidores públicos favorece exportação de forma
irregular
Extração
Madeireiros
contratam 'puxadores de toras' para extraírem as árvores
Propina
Madeireiros
pagam propina para servidores públicos incluírem os dados da madeira no sistema
nacional
Madeira
Servidores
públicos informam a quantidade e o tipo de madeira retirada, como se ela
tivesse sido cortada em área permitida
Engenheiros
florestais
Também
participam inflando os dados sobre a quantidade de árvores que podem legalmente
ser retiradas de um local
Exportação
Madeira
é exportada como se a origem fosse legal — em 2020, Ibama extinguiu necessidade
de autorização de exportação, o que limita a fiscalização