O Estado de S. Paulo, n. 46602, 21/05/2021. Política, p. A4

Amazonas rebate Pazuello sobre recusa a ajuda federal

Vinícius Valfré
Lauriberto Pompeu
Liége Albuquerque


No segundo dia de depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o presidente Jair Bolsonaro negou intervir na crise de oxigênio no Amazonas após ouvir do governador Wilson Lima (PSC) que não havia necessidade de ajuda. Ao Estadão, porém, o governo amazonense informou nunca ter recusado “qualquer tipo de ajuda relacionada às ações de enfrentamento à covid-19”.

A nota foi uma resposta ao questionamento do Estadão sobre as declarações de Pazuello à CPI. Aos senadores, o general disse que, em uma reunião ministerial ocorrida durante o colapso da saúde em Manaus, no início deste ano, ficou estabelecido que não haveria intervenção federal na crise sanitária do Amazonas.

Pazuello tentou se eximir de responsabilidade pela falta de socorro. Em janeiro, o desespero tomou conta daquele Estado quando pacientes com covid-19 morreram sufocados, por falta de oxigênio. “Essa decisão não era minha”, afirmou o ex-ministro da Saúde quando o senador Eduardo Braga (MDB-AM) lhe perguntou sobre os motivos que levaram o governo Bolsonaro a não assumir a gestão da crise.

Foi então que o general mencionou a participação de Wilson Lima, aliado de Bolsonaro, na decisão final. “Numa reunião ministerial, o governador foi chamado, apresentou sua posição e houve uma decisão de que não seria feita a intervenção”, disse Pazuello, sem especificar a data do encontro. “O presidente da República estava presente. A decisão foi tomada nessa reunião.”

Questionado sobre o papel do governo Bolsonaro no episódio, o ex-ministro alegou que foram tomadas todas as providências tão logo se soube do problema. Asseverou, ainda, que o governador do Amazonas foi ouvido naquela reunião e alegou ter condições de liderar o combate à pandemia, que avançava principalmente em Manaus.

“Nunca houve recusa do Estado para qualquer tipo de ajuda relacionada às ações de enfrentamento à covid-19. Além disso, o Governo do Amazonas sempre pediu a colaboração federal para auxiliar no combate à pandemia”, diz a nota enviada ao

Estadão pela assessoria de Lima. “Esse apoio foi ampliado com a instalação do Comitê de Resposta Rápida, formado por representantes do Governo do Estado, Governo Federal e Prefeitura de Manaus, para enfrentar a crise que se agravou no Amazonas no início de janeiro.”

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse à reportagem que, diante das contradições reveladas pelo jornal, vai propor uma acareação entre Pazuello e Lima. O governador disse que, para não “antecipar discussões”, dará declarações apenas se for chamado a depor.

Pedido. A intervenção federal foi solicitada por Eduardo Braga, ex-governador do Amazonas, em 15 de janeiro. Registros do governo do Estado indicam que Lima esteve com Bolsonaro e Pazuello três dias depois, em 18 de janeiro.

Na época, o esgotamento do estoque de oxigênio levou o sistema de saúde do Amazonas ao caos. Em seu depoimento, Pazuello procurou transferir para o governo amazonense e para a White Martins, fornecedora de oxigênio hospitalar, a responsabilidade pela falta do produto. A empresa não se manifestou.

O Estadão também perguntou ao governo estadual a data em que Pazuello foi informado sobre o colapso da saúde no Amazonas. A resposta mostrou que o ex-ministro, mais uma vez, disse inverdades à CPI. “A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas informou ao Ministério da Saúde sobre o assunto no dia 7 de janeiro. A comunicação foi feita por telefone ao ministro Eduardo Pazuello”, afirma o comunicado.

Em dois dias de depoimentos que somaram 13 horas, Pazuello afirmou à CPI, no entanto, ter sido avisado sobre os problemas no abastecimento de oxigênio no Amazonas apenas na noite de 10 de janeiro. Entretanto, uma resposta do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco a requerimento enviado pelo deputado José Ricardo (PT-AM) também chegou à CPI com as mesmas informações da Secretaria de Saúde do Amazonas. Ao prestar os esclarecimentos requisitados pelo deputado, o ex-subordinado de Pazuello afirmou que o general soube da crise de oxigênio em conversa telefônica com o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, na noite de 7 de janeiro.

Desagravo. No mês passado, Lima homenageou Bolsonaro com o título de cidadão honorário do Amazonas. A cerimônia também funcionou como desagravo a Pazuello, que, na ocasião, teve elogiado o trabalho para conter a crise de oxigênio.

Para o relator da CPI, ficou evidente que Pazuello foi treinado pelo Palácio do Planalto para enganar a comissão parlamentar de inquérito. “O depoente, em 14 oportunidades, mentiu flagrantemente e ousou negar suas declarações. É a negação do negacionismo. Deve ser uma nova cepa. Negar tudo o que está posto, que a sociedade conhece, acompanha e se indigna, é tripudiar da CPI, imaginar que palavras são jogadas ao vento”, criticou Renan.

No fim da próxima semana, quando a CPI completa 30 dias de atividade, o relator vai submeter para votação uma primeira versão do relatório, proporcional ao primeiro mês de investigações.