Título: Tena: protestos pelo ex-presidente
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 25/04/2005, Internacional, p. A7

Cidade de Gutiérrez teme fim de obra de aeroporto

Só há um lugar no Equador onde os protestos não são contra o fato de o ex-presidente Lucio Gutiérrez ter finalmente conseguido fugir para o Brasil. É Tena, pequena cidade no Leste dos Andes, escolhida pelo governo que caiu para a construção de um aeroporto internacional apresentado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como peça chave de um plano de desenvolvimento econômico mas cuja finalidade real, de acordo com congressistas, seria a de servir aos interesses estratégicos dos Estados Unidos no âmbito do Plano Colômbia, conforme revelou o Jornal do Brasil ontem.

A obra, orçada em US$ 69 milhões, tem US$ 50 milhões em financiamentos do BNDES (em exportação de serviços) e deveria ser feita pela construtora Norberto Odebrecht, que venceu a concorrência internacional em dezembro de 2004.

Ontem, mil pessoas saíram às ruas de Tena contra o novo presidente, Alfredo Palacio. Em tempo: Lucio Gutierrez nasceu lá. O atual prefeito, que chefiou o protesto, é Gilmar Gutiérrez, seu irmão. O diretor municipal de projetos é Ulisses Gutiérrez, também parente. A construção do aeroporto estava a cargo da Ecodesarrollo de La Region Amazonica (Ecorae), órgão federal de fomento dirigido por Alex Hurtado Borbúa, primo de Lucio Gutiérrez.

- Não está certo. Dois mil em Quito tiraram Lucio, quando no resto do país há 13 milhões que haviam decidido seu futuro político - dizia um dos moradores, exalando o ressentimento que muitos no interior têm contra o que chamam de ''as elites de Quito e Guayaquil''.

Após o ato, o prefeito anunciou que o município não reconhecerá a autoridade de Palacio ou de qualquer de seus representantes.

- Acho que os projetos serão esquecidos. Para os cidadãos daqui, esse aeroporto era um caminho para o desenvolvimento - reclamava Ulisses Gutiérrez.

Muitos não concordam, vendo em uma provável suspensão da construção a interrupção de uma escalada militar que não traria benefício econômico ou social à região, como, aliás, já ocorre em várias localidades ao longo da perigosa fronteira colombiana no Putumayo. Sem falar na suspeita de um disfarce embutido no apelo turístico de massa que ameaçaria importantes reservas ambientais próximas à futura pista. Uma delas, a estação ecológica Jatun Sacha, de Colônia Bolívar, guarda uma das biodiversidades mais ricas do mundo, segundo uma classificação internacional.

- É claro que era para o Plano Colômbia. Se não, seria para quê? O turismo aqui é comunitário e nada tem a ver com as multinacionais e seus grandes projetos. Serão 17 mil toneladas de que carga, se aqui não se produz nada? Enquanto se pensa nisso, a cidade não tem água potável, a rede de esgotos é precária e as ruas só tem buracos - descreve, de Tena, para o JB, Josep Giralt, ligado a uma associação civil. - A comunidade sofre com a dengue e a malária. Não há projetos para isso - completa.

A convergência de interesses familiares e razões de estado é uma característica comum na política da América Latina. No caso equatoriano, porém, a insistência em associar a obra do aeroporto às prioridades da integração amazônica ampliou as suspeitas em um congresso já acuado por Gutiérrez. Os deputados estranharam a discrepância entre o porte da proposta e as necessidades de uma região sem estradas asfaltadas, na qual a usina de tratamento de água, projeto de US$ 4,5 milhões, ainda não saiu do papel e o atrativo para os ''mais de 250 mil turistas esperados em 2021'' é invisível.

O pedido de esclarecimentos à Ecorae deu a senha para que o aeroporto abrisse novo flanco da guerra que depôs Gutiérrez. Ao afirmar, em documento, que ''o projeto se inseria nas iniciativas do Plano Colômbia'', o diretor-primo Borbúa, segundo os parlamentares, estaria tentando intimidá-los com a vinculação a um poderoso programa militarista.

O órgão depois atribuiu a ligação a um equívoco, ''um erro involuntário de redação'', como afirmou o engenheiro Jaime Arias, gerente de desenvolvimento. Mas já era tarde. Ainda assim, a apuração suscitou reações violentas, que realçaram as suspeitas quanto ao projeto de Tena.

Em 23 de março, o escritório do general René Vargas, ex-ministro de Recursos Naturais e assessor da Comissão de Controle e Fiscalização do Congresso, que investigou o plano do aeroporto, amanheceu revirado.

Naquele dia Vargas daria entrevista coletiva para revelar outras irregularidades que detectara, que incluiriam aspectos financeiros e de falsificação de documentos. Os invasores só arrombaram a sala do general.