Correio Braziliense, n. 21476, 03/01/2022. Política, p. 2

Semipresidencialismo remédio ou panaceia?
Israel Medeiros
Raphael Felice


O Brasil pode ter um novo sistema de governo dentro de oito anos. Depois de dois impeachments Fernando Collor e Dilma Rousseff , 303 pedidos de destituição de presidentes da  República encaminhados ao comando da Câmara dos Deputados após a promulgação da Constituição de  1988, além de sucessivas crises políticas nas quais o chefe do Poder Executivo esteve no olho do  furacão, há quem defenda que o chamado presidencialismo de coalizão chegou à exaustão. Por isso, se fala em discutir, ainda em 2022, a adoção do semipresidencialismo.

Um dos principais defensores do modelo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira  (PP-AL), pretende pautar na Casa um amplo debate sobre o assunto. A discussão se realizará ao  longo de quatro ou cinco meses, paralelamente às sessões.

Para afastar eventuais acusações de que quer se beneficiar do novo sistema, Lira pretende  entregar a decisão ao novo parlamento, a ser eleito em outubro. A votação da emenda do  semipresidencialismo só ocorreria em 2023, sendo que pode haver até mesmo um novo plebiscito, como  o de 1993.

O sistema semipresidencialista mistura características tanto do presidencialismo que vigora  hoje no Brasil quanto do parlamentarismo. A maior diferença entre os dois modelos é que, no  presidencialismo, o presidente reúne funções de chefe de Estado e de chefe de governo, enquanto  que, no parlamentarismo, o primeiro-ministro chefia o governo o presidente comanda o Estado  e, em várias nações, detém o poder político.

Nesse modelo, o Congresso tem mais força do que no presidencialismo, que pode derrubar o  primeiro-ministro se houver instabilidade política. São também os parlamentares quem dão o aval à  indicação, feita pelo presidente, daquele que ocupará a chefia do gabinete do governo na função de primeiro-ministro. O Brasil chegou a adotar um parlamentarismo  de conveniência, entre 1961 e 1963, depois da renúncia de Jânio Quadros, a fim de reduzir os  poderes do então vice-presidente João Goulart. Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima  ocuparam a chefia do governo naquele curto período, mas o presidencialismo foi restabelecido em  24 de janeiro de 1963.

O semipresidencialismo, que mistura características dos dois sistemas, varia de país para país e é  adotado em nações como França, Portugal e Ucrânia. Já há na Câmara uma PEC de autoria do deputado  Samuel Moreira (PSDB-SP) que propõe a adoção do sistema semipresidencialista para 2022. Mas,  dificilmente as eleições de outubro tratarão disso, até mesmo para não haver um caráter  casuístico. Por isso, fala-se na adoção do novo sistema de governo a partir de 2026.

No Judiciário, também há quem defenda o semipresidencialismo. Para o ministro Luís Roberto  Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) que nutre simpatias pelo sistema —, é importante atenuar o que ele chamou de hiperpresidencialismo quando há um excesso de  poderes concedidos ao Executivo. Para ele, esse sistema sempre foi uma “usina de problemas na América Latina, trazendo instabilidades, golpes e impeachments”. Barroso  defende um modelo em que o presidente seja eleito pelo voto popular, atuando como chefe de Estado. Teria funções como manter relações internacionais, nomear embaixadores, ministros militares e ministros de  tribunais superiores, apresentação de projetos de lei e dissolução do Legislativo.

O  primeiro-ministro  seria nomeado pelo presidente, mas a indicação teria que passar pelo Congresso. Aquele que ocupasse  esse cargo seria responsável pelo “varejo da política e da administração pública” ou seja,  pelos assuntos de governo, como a articulação política. Se perdesse sustentação, poderia ser  afastado pelo Congresso por meio do voto de desconfiança, como nos países parlamentaristas.

“Com isso, cria-se um mecanismo institucional de substituição do chefe de governo sem  comprometer a estabilidade institucional. Evita-se, também, o procedimento traumático que é o  impeachment”, salienta.

Na avaliação da constitucionalista Vera Chemin, o debate para uma mudança no sistema de governo  deveria se estender para além de 2030. Ela entende que, no Brasil, há um longo caminho a se per correr para alcançar a “maturidade política” de um semipresidencialismo e alerta para a  pulverização política como um problema que poderia ser potencializado com a adoção do sistema.

“Nós temos uma polarização grave no Brasil e muita fragmentação política. Há um número  exorbitante de partidos políticos (ao todo, há 33 registradas no Tribunal Superior Eleitoral).  Essa fragmentação praticamente inviabiliza a mudança para um semipresidencialismo”, explica.

David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), lembra que, no país, só se  falou em mudança no sistema de governo em momentos de crise. “Talvez, o semipresidencialismo não  seja a solução para os nossos problemas. Em geral, a mudança de sistema de governo ocorre em  momentos de crise. Por aqui, já tivemos o parlamentarismo quando Jânio Quadros renunciou à Presidência, na década de 1960. A situação levou a uma crise ainda maior”, pontua.  

Consulta popular estava prevista na Carta de 88 

O plebiscito para determinar a forma e o sistema de governo ocorreu em 21 de abril de 1993, quando a população decidiria se o Brasil continuaria sendo uma república ou restauraria a monarquia. Além disso, o eleitor escolheria entre a manutenção do presidencialismo ou a adoção do parlamentarismo. A consulta popular estava prevista na Constituição de 1988. A maioria dos eleitores votou pelo regime republicano e o sistema presidencialista,  conforme o Brasil vem sendo governado desde a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.