Título: Legado de Tancredo
Autor: Noel de Carvalho
Fonte: Jornal do Brasil, 25/04/2005, Outras Opiniões, p. A11
O próximo 21 de abril marca 20 anos sem Tancredo Neves. Muito se especulou e ainda se especula o que teria acontecido ao Brasil se Tancredo tivesse assumido e governado e não Sarney. Creio que o Brasil estaria hoje muito melhor sob todos os aspectos.
É riquíssimo o folclore em torno da maneira de ser do mineiro, gente que não se espanta com nada e sempre arruma um jeito de encontrar saída para situações aparentemente irreconciliáveis e solução para problemas tidos como insolúveis. Paciência, matreirice, cordialidade e simpatia sempre foram poderosos trunfos de que habilmente se utilizaram os políticos das Alterosas para alcançar e se manter no poder, com destaque para Alkimin, Benedito Valadares, Juscelino e Tancredo.
Conta-se , por exemplo, que às vésperas da Revolução de 30, ligaram do Palácio do Catete para o Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Queriam saber ''como estava Minas?''. O ajudante de ordem entrou nervosíssimo na sala do governador Benedito Valadares:
- Governador, ligaram do Palácio do Catete, a revolução está nas ruas! Querem saber como está Minas.
- Uai, Minas está onde sempre esteve - respondeu ele, sem se alterar, deixando o auxiliar perplexo.
E desconversou:
- Alguém imagina que se pode remover essas montanhas?
Representante típico da tradição moderadora da política mineira, Tancredo Neves caracterizou-se pela tendência à conciliação e à negociação, sem prejuízo de suas convicções liberais. Sua carreira política de projeção nacional começa em 1953, quando o presidente Getúlio Vargas o fez ministro da Justiça, ocasião em que enfrentou brutal pressão dos golpistas da União Democrática Nacional (UDN), que buscavam apoio da Forças Armadas para depor o presidente da República.
Naquele trágico período de nossa história, que culminou com o suicídio de Vargas, Tancredo mostrou firme determinação na defesa da legalidade e da liberdade e foi, posteriormente, um dos responsáveis pela vitoriosa candidatura de Juscelino à Presidência.
Articulador por excelência, encaminhou a solução que permitiu a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio. Durante o regime militar lutou pela redemocratização e em 1965 filiou-se MDB e posteriormente ao PMDB, partido símbolo da luta contra a ditadura e dirigido por figuras exponenciais da nacionalidade como Ulysses Guimarães, o Senhor Diretas, e Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas.
Derrotada as Diretas Já, talvez o movimento de massa mais grandioso de nossa História, só comparável à mobilização popular para a declaração de guerra ao Eixo, depois do torpedeamento de nossos navios mercantes, e à campanha do Petróleo É Nosso, que resultou na criação da Petrobras, Tancredo Neves é exortado a disputar as eleições presidenciais no Colégio Eleitoral, colégio este que era uma imposição da ditadura. Disputou e ganhou de Maluf, o candidato preferido dos militares.
Morreu Tancredo Neves a 21 de Abril de 1985, sem assumir a presidência. Coincidência, na mesma data da morte de outro grande brasileiro, o mineiro Tiradentes, Mártir da Independência. O Brasil deve muito a Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela e, sobretudo, a Tancredo Neves, uma pessoa extremamente afável e de firmes convicções democráticas.