Título: Invasões criam bolsão de miséria
Autor: Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 25/04/2005, Brasília, p. D3

Terras de núcleo rural que produz hortaliças sofrem grilagem, população se multiplica e ocupação se desvirtua

Pelo nome dado à área, esperava-se encontrar um mínimo da antiga exuberância natural. Pela destinação prevista na legislação local, uma região habitada por chacareiros e produtores rurais. Mas a grilagem de terras e os parcelamentos irregulares transformaram o Núcleo Rural Parque do Sol Nascente, no Setor P Sul de Ceilândia, em mais um bolsão de miséria do DF. Uma região onde a ocupação desordenada aterrou nascentes e onde o esgoto corre - como potencial contaminador - ao lado das produções de hortaliças. Até o fim da década de 90, a ocupação do parque manteve a finalidade agrícola, favorecida pela fertilidade do solo decorrente da proximidade do lençol freático com a superfície. Nos 3 mil hectares da região, moravam 300 pequenos produtores em propriedades que variavam de dois a cem hectares. A distribuição e uso das terras estão no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), onde é classificada como Zona Rural de Uso Diversificado com Restrição Físico-Ambiental. Ou seja, não pode ser destinada a loteamentos urbanos.

Em 2000, entretanto, uma lei dos então deputados distritais Sílvio Linhares e José Edmar, aprovada pela Câmara Legislativa, transformou a região em condomínio. A lei foi considerada inconstitucional por afrontar o PDOT, mas as ocupações irregulares continuaram. O número de chacareiros se reduziu para não mais de 100. A população urbana saltou para mais de 50 mil, segundo a Administração Regional de Ceilândia.

Um laudo elaborado pela Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Civil, em março de 2003, traça um panorama da degradação ambiental sofrida pelo parque. O documento já constatava o despejo de esgoto residencial ''através de fossa negra e despejo direto em mananciais''. O relatório aponta também o comprometimento das ''características da água, principalmente de ordem sanitária'' e que ''grande parte das Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram afetadas, direta, negativa e irreversivelmente''.

- Para que as casas pudessem ser construídas, as pessoas jogaram entulho em cima das nascentes para secá-las e para que a estrutura não rachasse - relata Marta Silva Santos, moradora do núcleo há 26 anos e produtora rural.

Além dos problemas decorrentes do contato da água com o esgoto que corre a céu aberto pela população local, os efeitos da ocupação desordenada da área pode chegar à mesa do brasiliense. Cercadas pelas invasões, as chácaras comercializam nas principais feiras do DF hortaliças produzidas a poucos metros de fossas e canaletas com esgoto. É o que acontece com Generindo Ribeiro de Morais, agricultor na região desde 1993. Hoje, sua propriedade de dois hectares está cercada de casas cujas fossas transbordam a menos de 30 metros das hortaliças que produz.

- Meu vizinho criava gado mas acabou vendendo a concessão dele e a propriedade foi toda parcelada. Hoje a sujeira fica perto da produção, quem tem de ser toda higienizada - lamenta Generindo.

Um laudo produzido pela Caesb na região, em 2003, a partir de amostras de um dos córregos que corta a região, aponta que os níveis de coliformes fecais e de bactérias estão muito acima do admitido por lei. Segundo o documento, o índice era superior a 2.400 partes por mililitro e o de Escherichia coli, um patógeno que pode causar diarréias e até levar à morte, chegava a 410 partes por mililitro. Para ambos, os níveis admitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é de zero.

Segundo o administrador regional de Ceilândia, Rogério Rosso, devido à relevância ambiental o núcleo rural, a área está sob intervenção do GDF e do Ibama, e nada pode ser construído. Ele relata que a Terracap e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) estão elaborando o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) da região, com a intenção de regularizar apenas as ocupações existentes.

- Nós não admitimos novas ocupações no parque e os que já existem, será estudada sua permanência. Mas o que estiver em área de proteção ambiental, fatalmente terá de ser removido - explica Rosso.