Título: A primeira entrevista
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 30/04/2005, País, p. A3
¿Eu e o Palocci somos unha e carne. Tenho total confiança nele¿ ¿Quando sou sindicalista, posso reivindicar. Quando sou presidente, só posso dar aumento ao olhar o caixa e ver o que posso dar¿
¿Severino é meu aliado. Seu partido está com o governo. A eleição foi democrática. Sorte dele que ganhou, azar dos que perderam¿
¿Os juros só vão mudar quando o povo começar a agir com mais cobrança. Não apenas que o governo faça, mas a sociedade pode ir reeducando o sistema financeiro¿
¿O governo erra muito. É difícil reconhecer um erro num governo que acerta tanto.¿
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Salário Mínimo O Brasil vive hoje, talvez, um dos seus melhores momentos no que diz respeito ao salário mínimo. A partir do dia 1º de maio, passa a ser de R$ 300, e vai significar, praticamente dobrar o poder de compra da cesta básica que tínhamos em 2003 quando o mínimo podia comprar 1,2 cesta básica. Hoje, compra 1,9. Com o aumento, vai chegar a duas cestas básicas, o que é um dado auspicioso. Fim do acordo com o FMI Não se precisou dar murro na mesa, não foi preciso gritar, nem levantar faixa. Não precisei convocar passeata. Nesses dois anos de governo, criamos condições para que o Brasil tivesse segurança na política econômica. Juros do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Você deve estar acompanhando um forte crescimento de dinheiro que está entrando no mercado de consumo por conta do crédito consignado no nosso país. Nós chegamos a R$ 13,5 bilhões ano passado; estamos certos que atingiremos 20 bilhões, que o Banco do Brasil agora até estendeu aos aposentados que podem pegar esses juros a 1,5% ao mês. É é o juro mais barato. Certamente os juros diminuíram no crédito consignado. (Ao ser questionado novamente sobre os juros do cheque especial nesse dos bancos) Eu acho que já está mais baixo do que os bancos privados. E eu acho que temos que trabalhar para que eles baixem mais. Reajuste dos militares Não tenho responsabilidade apenas com os militares. Tenho com eles e com o servidor público brasileiro como um todo. Preciso criar condições para o conjunto dos trabalhadores. Certamente, vamos tratar com carinho para encontrar um jeito de dar um reajuste aos militares, mas dentro das possibilidades do orçamento. Venezuela versus EUA Não vejo nenhuma possibilidade de haver conflito maior entre Estados Unidos e Venezuela. No auge da crise, em janeiro de 2003, propusemos a criação do Grupo de Amigos. Convencemos o Chávez de que era importante ter interlocutores que falassem com a oposição. Ainda esta semana, recebi a Secretária de Estado dos EUA aqui. Estamos andando a passos largos para que haja grande harmonia entre os EUA e a Venezuela, até porque nós, do Brasil, temos interesse em que no nosso continente haja a maior tranqüilidade. Os EUA importam 15% do petróleo da Venezuela, e são o maior importador de petróleo do país. Precisam um do outro, portanto não há razão para os dois estarem brigando. Conselho da ONU Se a reforma sair, o Brasil entrará no Conselho de Segurança da ONU. Estamos trabalhando para que seja este ano. Se não for este ano, que seja ano que vem. Se não for no meu mandato, que seja no tempo que for, mas é importante que o Brasil participe. Unha e carne com Palocci Muitas vezes, tenho descompasso entre aquilo que quero fazer e o que posso fazer. Na economia, possivelmente, o descompasso seja de todos. Então, acredito que todos nós, o ministro Palocci, o Meirelles e o povo brasileiro desejam que encontremos uma taxa de juros mais baixa. Precisamos trabalhar de modo a criar condições para que essa taxa baixe. Tenho pelo companheiro Palocci o mais profundo respeito, uma ligação política, ideológica, de quase 30 anos. Poderia dizer que eu e o Palocci somos unha e carne. Tenho total confiança nas coisas que ele faz. Denúncias contra Jucá Eu primo por entender que todo ser humano é inocente até prova em contrário. Você não pode crucificar ou decretar pena de morte a ninguém por causa de denúncia. Tem de apurar. Quando discuti com o PMDB, e Jucá veio a ser ministro, antes de aceitar, ele me trouxe uma série de acusações e documentos provando o que já tinha feito. Jucá vai ao Ministério Público e pede ao Procurador-Geral para ser investigado manda ofício à Polícia Federal pedindo que seja investigado. Sou obrigado, até por respeito ao direito de prova, a querer que as pessoas sejam julgadas corretamente. Na hora em que tiver esse veredicto, tomarei a posição que tiver de tomar. Por enquanto, Jucá está cumprindo uma tarefa que lhe dei, que é a de tentar, de uma vez por todas, acabar com o déficit da Previdência. Segurança pública Estou convencido de que a segurança pública não é problema de um prefeito, governador. É preciso que haja uma junção de todos os entes federativos para que possamos, conjuntamente, começar a sonhar em diminuir a criminalidade no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais, em quase todo o território nacional. Talvez no Rio apareça mais porque o estado é um centro muito importante no país, mas têm muitos outros lugares com violência, e precisamos trabalhar juntos para que possamos resolver definitivamente esse problema. O narcotráfico, o crime organizado tem seu braço político, no Judiciário, internacional, no empresariado, não é mais aquele ladrão que estávamos acostumados a ver pegar. Juros bancários Em vez de ficarmos brigando, deveríamos ir criando formas de organização, alternativas para que, um dia, o banco perceba que ninguém está indo lá buscar dinheiro, e nos procure dizendo olha, 'estou oferecendo um juro mais baixo para vocês'. Isto já está acontecendo com o crédito consignado, que talvez tenha sido a maior revolução bancária dos últimos anos. Precisamos, nós sociedade, não é ficar esperando apenas que o governo faça. Eu, enquanto cidadão, se tiver um cartão de crédito, não posso deixar estourar, porque se deixar passar a data de vencimento, vou pagar um juro que não posso. E se não conseguir pagar em um mês, não consigo fazer no terceiro nem no quarto. Só vamos mudar isso na medida em que o povo começar a agir com mais cobrança, não apenas esperando que o governo faça o que pode fazer. Ele pode mandar projeto de lei, mas a sociedade pode ir reeducando o sistema financeiro. Autonomia do Banco Central O Banco Central tem muita autonomia no meu governo. Sei que no Senado começou uma discussão. Vamos deixar o Congresso discutir. Se, em algum momento, entenderem que a autonomia do BC pode dar o resultado que o Palocci disse que dá, de que vai fazer baixar os juros, ora, eu seria louco se não fizesse. A prática é outra, ou seja, ninguém pode garantir que a autonomia, por si só, resolva o problema do BC. Sei que na maioria dos países do mundo o Banco Central tem autonomia. Não faço disso uma profissão de fé e tampouco questão ideológica. O tema tem de ser tratada do ponto de vista técnico. Severino aliado O Severino é meu aliado. O partido dele faz parte da base de sustentação do governo. O presidente da República não escolhe quem deva ser o presidente da Câmara. Ele estabelece a política de convivência democrática com o chefe da Casa, qualquer que seja seu partido e qualquer que seja o discurso que ele faça todo santo dia. Sou grato ao Congresso por tudo que conseguimos fazer nesses dois anos de governo. Sono tranqüilo O que estamos fazendo são passos muito sólidos, muito tranqüilos, sem perder a cabeça um único minuto para possamos ser julgados, em qualquer momento histórico, das coisas que foram feitas. Então, durmo com a cabeça tranqüila, o sono dos justos todo santo dia, sempre com a preocupação de que preciso fazer mais, mais e cada dia mais, porque o desejo de fazer é insaciável, muitas vezes limitado por circunstâncias que não dependem da minha vontade. Três erros É difícil reconhecer um erro num governo que acerta tanto. Mas vou citar alguns. Possivelmente tenha sido um erro do governo não ter tido uma participação maior na sucessão na Câmara. Também não conseguimos fazer as obras nas rodovias brasileiras que gostaria de fazer e conheço desmandos desde 1992, quando percorri 90 e poucos mil quilômetros nas caravanas da cidadania. Pode ter sido um erro nosso ainda não termos feito com que os juros não sejam o único padrão de controle da inflação. Possivelmente possa fazer isso, que é uma busca que ainda não consegui. Podem ter outros erros, mas você sabe aquela história que o pai nunca vê o defeito do filho? Só quando ele conversa com alguém de fora é que fica sabendo dos defeitos. Juros contra inflação Ouvi de um homem mais sábio do que eu a seguinte frase: "Lula, nem tudo que você pode fazer na economia, você pode avisar antes, porque se avisar não faz". Esse homem foi o doutor Ulysses Guimarães, quando era Presidente da Constituinte, e discutíamos a política econômica do governo Sarney. Estou convencido de que os juros não podem ser o único instrumento para controlar a inflação. Se for assim, passamos muita responsabilidade para o BC e tiramos das nossas costas a responsabilidade, das costas do governo e das costas da sociedade. O dado concreto é que temos uma meta de inflação, que era de 4,5 e passou para 5,1. Temos de procurar o centro da meta. O que eu quero é não permitir que a inflação volte a ser o grande ladrão do salário do povo.