O Estado de S. Paulo, n. 46642, 30/06/2021. Metrópole, p. A16

Saúde barra a ECMO no SUS e cria polêmica

Ítalo Lo Re


O Ministério da Saúde decidiu, em portaria publicada na sexta-feira passada, que a terapia ECMO (Oxigenação por membrana extracorpórea, na tradução do inglês) continuará não sendo incorporada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão atende a uma recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec).

Conhecida por ter sido utilizada no tratamento do artista Paulo Gustavo, que acabou morrendo por complicações da covid, a ECMO divide opiniões de especialistas. Os principais argumentos da Conitec para não incluí-la no sistema são o “grau de incerteza” do procedimento, que, segundo relatório da comissão, “variou bastante” entre os estudos analisados, e o custo elevado do tratamento em relação à ventilação mecânica invasiva (VMI).

“A não incorporação da ECMO pelo SUS foi um grande retrocesso. A ECMO faz parte do arsenal terapêutico de enfrentamento à covid, assim como faz parte de outros tratamentos. É com pesar imenso que no Brasil a gente pode usufruir disso só em hospitais privados”, diz a cardiologista Marina Fantini, diretora da ECMO Minas – empresa especializada nessa terapia.

A médica defende que, enquanto a ventilação pode machucar o pulmão e resultar em disfunção pulmonar crônica, que exige trabalhos paralelos de recuperação, a ECMO possibilita que o pulmão fique “descansando”. Assim, quando o quadro agudo de covid é superado, o pulmão está pronto para retomar as atividades.

A cardiologista ressalta que a ECMO, no contexto da covid, “é uma terapia para poupar o pulmão do paciente, não uma terapia de resgate”. “Então, quando o paciente não responde às medidas instituídas, é instalada para poupar a função pulmonar.” Esse tratamento é indicado para pessoas abaixo de 50 anos e, segundo ela, para estágios não avançados da doença.

Em hospitais particulares de Belo Horizonte, onde Fantini atua, e várias outras cidades do País, é possível fazer terapia ECMO paga por convênios. “Não é uma terapia para aventureiros. A gente não quer popularizar, mas democratizar”, destaca.

Fantini alerta ainda que o argumento da Conitec de que a ECMO aumenta o custo é muito frágil. “A médio e longo prazo, ela economiza para os cofres públicos, pois os pacientes podem ficar menos tempo em UTI, reduzindo os gastos. 

‘Cirúrgico’. Para o infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) José David Urbaéz, em momentos de pandemia, o sistema público de saúde tem de ser cirúrgico na incorporação de tecnologias. Seu entendimento é de que a incorporação da ECMO pelo SUS acabaria não rendendo tantos resultados.

O médico relata que, mesmo em hospitais privados, os resultados não são tão animadores. “Os planos têm toda uma restrição ao uso de ECMO. O tratamento é extremamente caro. É uma medida heroica, para um paciente jovem que não tem comorbidades”, complementa.

“Eu acharia uma insensatez administrar recursos para incorporar a ECMO (ao SUS) ao mesmo tempo em que se tiram recursos destinados à vigilância genômica na pandemia”, ressalta o médico, que defende ainda o enfoque em políticas públicas de testagem e na compra de mais oxímetros de pulso, entre outras ações mais amplas para a pandemia.

“Obviamente, é desejável que este tratamento venha a ser incorporado ao SUS, para casos muito bem indicados, mas ainda há dúvidas sobre o momento de se fazer essa incorporação”, comenta o professor Bruno Pinheiro, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “A maioria dos pacientes, mesmo com formas graves, pode ser bem conduzida sem ECMO, desde que com as demais condições necessárias para o tratamento de um paciente crítico atendidas”, afirma.