O Globo, n. 32803, 30/05/2023. Opinião, p. 2

Vacilos domésticos custarão caro a Lula no exterior



Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reúne hoje no Palácio do Itamaraty os presidentes de Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela, está prevista no Congresso a votação do relatório da Medida Provisória que reestrutura os ministérios, esvaziando as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Com cinco meses de governo, sem conseguir sequer organizar o próprio gabinete como gostaria, Lula parte para mais uma investida internacional.

É esperado que ele dedique tempo e esforço às relações externas, ainda mais depois de Jair Bolsonaro ter transformado o país num “pária”. Também é evidente que, pela proximidade, as nações sul-americanas merecem atenção. A cúpula de hoje, porém, é apenas mais um evento num padrão que se repete desde o início do governo: tempo demais dedicado à política externa; tempo de menos dedicado à política interna. Levantamento do GLOBO mostrou que Lula se reuniu apenas nove vezes com deputados e senadores de partidos aliados desde a posse até a sexta-feira. No mesmo período, manteve 30 encontros com chefes de governos estrangeiros. Até os almoços com a primeira-dama foram mais numerosos.

Se a base governista no Congresso estivesse montada e operando sem solavancos, as seis viagens internacionais — mais de uma por mês — passariam despercebidas. Infelizmente, a situação é distinta. A aprovação do novo arcabouço fiscal neste mês foi uma vitória excepcional para um governo que, até o momento, não consolidou um bloco parlamentar fiel e consistente.

Obviamente a tarefa é hoje mais desafiadora do que já foi. Para evitar sofrer um processo de impeachment, Bolsonaro cedeu poder às lideranças do Congresso por meio de emendas orçamentárias. Mesmo limitadas por decisão judicial, elas ainda são controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado. Como resultado, o Executivo deixou de dispor de moedas de troca eficazes para fazer sua agenda andar no Congresso.

A correlação de forças entre Executivo e Legislativo é distante da vivida por Lula nos dois primeiros mandatos. Há um lado positivo no protagonismo assumido pelo Parlamento, pois ele equilibra os arroubos extremos de um governo povoado por vários matizes da esquerda. Foi assim com o arcabouço fiscal, cujos contornos foram endurecidos durante a votação no Congresso (muito embora a versão final deixe a desejar no que diz respeito à confiança no controle das contas públicas).

Noutras agendas, contudo, o papel do Parlamento tem se revelado nocivo. É o caso da pauta ambiental. Além de esvaziar a pasta do Meio Ambiente, os parlamentares afrouxaram a lei de proteção da Mata Atlântica (Lula deverá vetar a medida) e se preparam para enfileirar uma série de medidas de potencial nefasto, como tolerância com agrotóxicos, dispensa de licença ambiental para obras de infraestrutura e maior prazo para grileiros regularizarem terras invadidas. Nem no próprio PT há consenso sobre pautas ambientais.

A incapacidade de Lula conduzir a política doméstica lhe custará caro no front externo. Caso a “boiada” toda passe, é fácil prever o que acontecerá com a imagem do Brasil lá fora. Será difícil Lula convencer parceiros que exigem compromisso ambiental para firmar acordos comerciais (como a União Europeia). E nenhuma cúpula ressuscitará as pretensões brasileiras de liderar o planeta rumo à economia limpa.