Correio Braziliense, n. 20751, 16/03/2020. Política, p. 2-3

Bolsonaro desafia a Covid-19

Luiz Carlos Azedo


Contrariando a orientação dos seus médicos e do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro decidiu participar das manifestações de ontem na Esplanada dos Ministérios, convocadas para protestar contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo estando ainda no período de observação em razão da contaminação de 11 integrantes da sua comitiva de viagem aos Estados Unidos pelo coronavírus, entre os quais o secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, e o encarregado de Negócios do Brasil naquele país, Nestor Forster.

Bolsonaro percorreu a Esplanada dos Ministérios, de carro e voltou para o Palácio do Planalto. A seguir, fez uma transmissão ao vivo na internet, em cima da rampa do Palácio: “Não tem preço o que esse povo está fazendo, apesar de eu ter sugerido, eu não posso mandar, a manifestação não é minha, o adiamento, dado esse vírus”, disse. Minutos depois, a pé, foi ao encontro de apoiadores na grade de proteção, onde distribuiu apertos de mão e pegou celulares para fazer selfies. Tudo o que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não recomenda. O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contra-almirante Antônio Barra Torres, porém, apareceu ao lado de Bolsonaro nas imagens. Sua assessoria explicou que ele havia sido convidado para uma conversa pelo presidente da República.

A participação do chefe do Executivo na manifestação contrastou fortemente com a atitude do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que bateu boca com manifestantes em Goiânia. "Sou um dos poucos governadores que apoia o presidente Bolsonaro. Mas vocês têm que entender uma coisa só: que eu sou um médico, antes de ser governador de Estado. Precisam entender, ao menos que não estejam olhando para o mundo, o que está ocorrendo. Precisam mais do que nunca ter responsabilidade, e não fazer com que as aglomerações provoquem uma disseminação do coronavírus. É um direito que vocês têm, mas já temos em Goiás a disseminação do vírus. Baixei decreto que não teriam eventos de carro de som. Se quiserem, peguem seus carros e vão andar, mas não sejam irresponsáveis e amanhã transformarem Goiânia em um ambiente de disseminação do vírus. Precisam de ter noção de seriedade. Não se mostra apoio ao governo colocando em risco a população. Essa é a minha ordem e ela será cumprida", afirmou. Caiado foi vaiado e xingado pelos manifestantes, mas postou as imagens do discurso nas redes sociais e reiterou sua posição.

Redes sociais

Bolsonaro foi às redes sociais compartilhar imagens de sua participação na manifestação e dos atos realizados no país, identificando as cidades onde ocorreram. Numa das postagens, compartilha o vídeo no qual chuta o Pixuleco, balão de ar com alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vestido de presidiário, como fazia na campanha eleitoral. Em outra publicação, agita uma bandeira do Brasil, que pegou das mãos de um apoiador. Passou o dia tuitando. O monitoramento das redes sociais explica a razão. O presidente foi muito criticado em razão do coronavírus e já vinha perdendo a batalha da comunicação, com a queda de sua aprovação, em fevereiro e março. Os atos de ontem também estava sendo esvaziados. Manifestações revelaram isolamento político e capacidade de mobilização aquém das expectativas.

“Os protestos de hoje, pró-governo, deixaram claro que a bolha bolsonarista está se tornando uma bolha político-partidária. As principais lideranças dos protestos estão claramente ligadas a estruturas típicas do sistema partidário, seja por conta da Aliança pelo Brasil, ou por conta de siglas que abrigam lideranças — muitas delas com mandato — alinhadas com o discurso do presidente. O que se viu nas ruas do Brasil neste domingo foram políticos em cima de trios elétricos buscando ampliar o leque de popularidade, por conta das eleições que se aproximam”, avalia o especialista em mídias digitais Sérgio Denícoli, da Inteligência AP Exata, que monitorou as redes sociais.

Segundo o levantamento, os protestos não foram suficientes para que as menções positivas ao presidente superassem as negativas. O gráfico de fevereiro e março (veja ilustração) mostra isso claramente. “Apesar de manter um número expressivo de apoiadores fiéis, Jair Bolsonaro vem perdendo a dominância narrativa das redes. Fevereiro foi o pior mês para o presidente, nas conversações online, desde que assumiu. Foi um mês com muito mais menções negativas a ele do que positivas. E março também não tem sido muito bom. Mesmo hoje, com manifestações a favor dele, as menções negativas estão mais altas do que as positivas”, explica Denicoli, que é professor do Laboratório de Estudos e Imagem de Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

“Ontem, entre as 10 hashtags mais utilizadas no Twitter, em publicações com o termo Bolsonaro, só havia dois temas: as manifestações e o coronavírus. Isso revela que a pandemia esteve no epicentro das discussões que se referiram às manifestações. Se os casos de contaminação crescerem no país, na proporção que vem ocorrendo na Europa, uma grande parcela de internautas culpará o Bolsonaro por estimular a concentração de pessoas em um período de dúvidas, no qual a precaução é a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso poderá se tornar um problema político grave. Caso isso não ocorra, Bolsonaro sairá fortalecido”, conclui Denicoli.

Reação do Congresso

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, distribuiu nota oficial na qual criticou Bolsonaro: “Com a pandemia do coronavírus fechando as fronteiras dos países e assustando o mundo, é inconsequente estimular aglomeração de pessoas nas ruas. A gravidade da pandemia exige de todos os brasileiros, e inclusive do presidente da República, responsabilidade! Todos nós devemos seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde. Convidar para ato contra os Poderes é confrontar a Democracia”, informa.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelo Twitter, foi mais duro com Bolsonaro: “O mundo está passando por uma crise sem precedentes. O Banco Central americano e o da Nova Zelândia acabam de baixar os juros; na Alemanha e na Espanha, os governos decretam o fechamento das fronteiras. Há um esforço global para conter o vírus e a crise”. Depois, em um “fio”, escreveu: “Por aqui, o presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco-caso da pandemia e encorajando as pessoas a saírem às ruas. Isso é um atentado à saúde pública”. (LCA)

Sem medo, apoiadores vão às ruas
Bruna Lima

Nem as orientações do próprio governo para evitar aglomerações e suspender eventos de massa como medida de combate ao novo coronavírus foram suficientes para barrar pró-bolsonaristas de saírem às ruas de todo o país. O próprio presidente da República, após recorrer às redes sociais pedindo adiamento das manifestações, também marcou presença. Na Esplanada dos Ministérios, se dirigiu os apoiadores para tirar selfies e cumprimentá-los. "Não tem preço", declarou.

Jair Bolsonaro (sem partido) saiu do Palácio do Planalto e iniciou a participação nas manifestações de carro. Antes, postou no Twitter uma série de vídeos mostrando as manifestações nos quatro cantos do país. Os registros foram feitos em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Pará, Piauí, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina, além do Distrito Federal.

Nas ruas, muitos manifestantes teceram críticas contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Por meio de faixas, sugeriram combater com álcool e fogo o "vírus do STF e do Congresso" e defenderam a volta da AI-5, ato mais repressivo da Ditadura Militar. Pelas redes sociais, o presidente afirmou que não se trata de um movimento “a favor do Brasil", disse para a câmera do celular enquanto mostrava a mobilização na Esplanada e interagia com o público.

A professora Anita Queiroz foi uma das apoiadoras que conseguiu uma foto com o presidente. "Consegui chegar perto, ele pegou meu celular, fez uma selfie, assim como ele estava fazendo com muitas pessoas", disse ao Correio. 

Ela conta que a movimentação estava tranquila e que havia muitos idosos participando do ato. "Inclusive minha amiga, com mais de 70 anos. Pouquíssimas pessoas estavam de máscara, acho que o pessoal não estava muito preocupado com isso (coronavírus)", completou.

Quem também não optou pela máscara foi o presidente da República. Na sexta-feira, ele anunciou resultado negativo para contaminação pelo novo coronavírus. No entanto, a recomendação era de que ele fizesse novo teste e, enquanto isso, permanecesse em isolamento domiciliar. As medidas foram anunciadas após membros da equipe de governo de Bolsonaro que o acompanharam na recente viagem aos EUA confirmarem a doença.

200 contaminados no Brasil


Em menos de 24 horas, o número de casos confirmados para o novo coronavírus no Brasil subiu de 121 para 200 infectados, 60% a mais do que o registrado no balanço anterior. Só em São Paulo, primeiro estado a atestar transmissão comunitária, há 136 casos. A região Norte, que até então não tinha nenhum paciente positivo para o vírus, entrou para o rol das confirmações com um caso.

O Ministério da Saúde ainda investiga 1.913 suspeitas da doença em território nacional. Outras 1.486 foram descartadas. Para tentar conter a disseminação da doença e evitar uma superlotação de infectados recorrendo ao Sistema Único de Saúde (SUS), o governo federal elaborou uma série de medidas a serem adotadas por cada estado, cabendo às autoridades locais implementá-las.

Sudeste

Em São Paulo, as aulas serão canceladas de forma gradativa, com o objetivo de permitir um planejamento familiar. As faltas de amanhã a sexta-feira (20) serão abonadas, e as escolas ficarão fechadas a partir da próxima semana, por tempo indeterminado. Eventos com público com mais de 500 pessoas estão suspensos.

Também com registro de transmissão comunitária (VEJA QUADRO), o Rio de Janeiro passará pelas mesmas sanções a partir de hoje. Ainda, cirurgias eletivas nos hospitais estaduais estão canceladas, bem como as férias de profissionais da saúde. As visitas nas unidades serão restritas. "Ou paramos o Rio de Janeiro agora, ou nos cobrarão o custo das mortes que virão", disse o secretário de Saúde do estado fluminense, Edmar Santos.

Em Minas Gerais, o campeonato mineiro de futebol foi cancelado. Eventos oficiais com mais de 30 pessoas estão proibidos pelos próximos 30 dias. No Espírito Santo, as prefeituras de Vitória e Cariacica decretaram situação de emergência com previsão de exame médico compulsório para moradores das cidades.

Norte

Todos os estados do Norte, agora, registram casos de coronavírus. No cenário anterior, Amapá e Roraima estavam fora da lista. Amazonas confirmou oficialmente o primeiro caso da Covid-19. Por isso, medidas emergenciais, como cancelamento de eventos, de aulas em universidade pública e suspensão de viagens para servidores ao exterior foram tomadas. Em Tocantins, as aulas estão paralisadas esta semana.

Nordeste

Bahia, único estado do Nordeste a registrar transmissão local, decidiu adiar eventos públicos com grande aglomeração. Funcionários públicos vindo do exterior devem ficar isolados por 30 dias. No Ceará, o governo estadual liberou 

R$ 45 milhões para a Saúde, além de estabelecer 200 enfermarias e 30 leitos exclusivos para o enfrentamento do coronavírus.

Em Pernambuco, oito universidades e instituições de ensino técnico suspenderam as aulas. A capital, Recife, teve eventos cancelados e aulas nas escolas municipais interrompidas. O prefeito, Geraldo Júlio, informou durante coletiva de imprensa que iria solicitar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o cancelamento de todos os voos internacionais para o Aeroporto Internacional dos Guararapes, a partir de sexta (20).

Sul

A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) suspendeu os eventos organizados pela Casa, dentro e fora da sede. As reuniões das comissões permanentes e as sessões plenárias estão mantidas, porém sem presença do público. Em Florianópoles, a prefeitura cancelou eventos ao ar livre com mais de 250 pessoas e proibiu o uso de ar-condicionado nas escolas e no transporte coletivo. Por enquanto, as escolas da rede municipal não vão parar.

 O governo do Rio Grande do Sul também continua com as aulas, mas os alunos receberão orientações de higiene para evitar contágio. Universidades federais e estaduais, no entanto, optaram pela interrupção. O mesmo ocorre no Paraná, pelo período de duas semanas.

Centro-Oeste

O show do cantor Roberto Carlos e a Tecnoshow, uma das maiores feiras de agronegócio do Brasil, foram adiados em Goiás. No estado, também estão suspensas as aulas por 15 dias, bem como as visitas a presídios.

O Distrito Federal prorrogou a interrupção das aulas, adiantou férias e bloqueará passe livre. Além de cancelar eventos esportivos e atividades de lazer que tragam aglomeração, academias também não poderão funcionar.

» Conceitos de transmissão 

 » Importada: Pessoas que se infectaram em outro país

» Local: Ainda é possível relacionar o doente ao caso confirmado

» Comunitária (ou sustentada): 

Não é possível identificar o vínculo epidemiológico OU

A partir da 5º geração de transmissão de caso OU

Identificação de, pelo menos, um resultado positivo na vigilância sentinela OU

Identificação de, pelo menos, 

um caso internado por síndrome respiratória