O Estado de S. Paulo, n. 46614, 02/06/2021. Política, p. A9

Médica admite reuniões para discutir tratamento precoce

Lauriberto Pompeu


Em depoimento de seis horas à CPI da Covid, a médica oncologista Nise Yamaguchi negou ontem a intenção de mudar a bula da cloroquina para incluir o tratamento contra coronavírus entre as finalidades do medicamento. Mesmo assim, ela entregou à CPI um documento comprovando que a ideia foi sugerida ao presidente Jair Bolsonaro.

Na mensagem trocada com o médico Luciano Dias Azevedo por Whatsapp, em 6 de abril de 2020, Nise escreveu: “Oi, Luciano. Este decreto não pode ser feito assim, porque não é assim que regulamenta a pesquisa clínica. Tem normas próprias. Exporia muito o presidente”.

A ideia sugerida por Nise, que também é infectologista, previa que médico e paciente concordassem com a “adesão ao uso experimental das medicações descritas na doença covid-19 no intuito de tratar e iniciar protocolos de pesquisas clínicas”.

Embora o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o atual presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, tenham narrado à CPI que houve tentativa de alterar a bula da cloroquina para indicar o remédio no tratamento de covid-19, Nise negou ter feito essa sugestão.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, perguntou a Nise se ela sabia a diferença entre vírus e protozoário, que é o microrganismo causador da malária. A cloroquina é indicada para o tratamento de malária. “Protozoários são organismos celulares e vírus são organismos que têm o conteúdo de DNA ou RNA”, respondeu ela. Alencar rebateu: “A senhora não é infectologista, se transformou de uma hora para outra, como muitos no Brasil se transformaram em infectologistas, e não é assim. Os protozoários são organismos mono ou unicelulares e os vírus são organismos que têm uma proteção proteica de capsídeo e internamente o ácido nucleico”.

O senador continuou. “É completamente diferente do que a senhora falou. A senhora não soube explicar o que é um vírus. Vírus não são nem considerados seres vivos. Portanto, uma medicação para protozoário nunca cabe para vírus.” Alencar também perguntou se Nise sabia qual tinha sido a primeira aparição da covid no mundo. Enquanto ela revirava os papéis em cima da mesa, o senador interrompeu: “Pode buscar nos livros que a senhora tem aí porque a senhora não sabe. Não estudou. De médicos audiovisuais este plenário está cheio”.

Diante dos senadores, Nise confirmou que esteve em uma reunião convocada pela Casa Civil, no ano passado, para tratar sobre uso de medicamentos para a covid-19. “Tinha muita gente na sala e conversamos sobre uma resolução da Anvisa que falava sobre inclusão de nova medicação terapêutica para covid e também (sobre) uma nota do Ministério da Saúde. A minuta jamais falava de bula, mas sobre a possibilidade de haver uma disponibilização de medicamentos”, relatou.

Nise disse que se estava discutindo ali a “inclusão do uso do medicamento”, e não de mudança de bula. “Esse papel que estava em cima da mesa só falava sobre dispensa de medicamentos. Sou especialista em regulação, isso jamais aconteceria.” O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), sugeriu uma acareação entre Nise e Barra Torres.

De acordo com a médica, Bolsonaro trouxe a ela informações sobre o tratamento precoce, em uma reunião no começo da pandemia, em abril de 2020. “Eu tive a oportunidade, no início, de receber dele a informação de que existia um tratamento que estava sendo discutido na França. Eu já tinha a informação prévia, e ele me falou nessa reunião que existia”, declarou.

A médica disse que, nesse encontro com Bolsonaro, explicou que eram necessários mais dados científicos. Ela relatou à CPI ter dito na reunião que iria conversar com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de médicos prescreverem cloroquina.

Vacina. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão, repetiu por três vezes uma gravação na qual a oncologista diz que “tratamento precoce salva vidas” e que, por isso, “não é preciso vacinar a população aleatoriamente porque há tratamento precoce para covid-19”. Questionada, Nise afirmou que mantinha o que havia dito. “Eu disse que vacina não é tratamento, vacina é prevenção. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.” “A vacina salva, tratamento precoce não salva”, rebateu Aziz.