O Globo, n. 32802, 29/05/2023. Política, p. 4

Sem direção

Lauriberto Pompeu
Camila Turtelli


Após as cobranças por cargos e pagamento de emendas parlamentares, a falta de posicionamento do governo Lula sobre projetos considerados prioritários por aliados ou para travar flancos de ataques da oposição abriu mais uma frente de insatisfação. Congressistas ressaltam que, sem um comando assertivo do Palácio do Planalto, as propostas não avançam e não há articulação para reduzir o impacto de eventuais derrotas.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez acenos à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, após as derrotas em série sofridas por ela no Congresso. O governo, no entanto, ainda não se posicionou sobre uma série de matérias prioritárias para a bancada ruralista e que, se aprovadas, serão novos reveses para a agenda ambientalista.

Nessa seara, um dos principais projetos é o que amplia a quantidade de agrotóxicos permitidos e exclui o Ministério do Meio Ambiente do processo de autorização do uso. A votação do “PL do Veneno”, como foi apelidado por ambientalistas, foi promessa de campanha do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), quando se candidatou ao comando da Casa.

Fora das discussões

Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, onde está o projeto, Leila Barros (PDT-DF) diz que o Palácio do Planalto está distante do assunto:

—O governo não nos procurou para tratar do tema.

Ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro, a senadora Tereza Cristina (PPMS) afirma que ainda não dá para contar nem com o apoio nem com a oposição do governo.

No pacote de demandas dos ruralistas, uma das bancadas mais fortes do Congresso, também está o projeto que flexibiliza a concessão de licenças e, em alguns casos, dispensa essa autorização em obras de infraestrutura consideradas de pequeno porte. Da mesma forma, o governo não tomou posição oficial. O texto já foi aprovado pela Câmara e está sendo analisado de forma simultânea pelas comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado.

Em entrevista ao GLOBO, o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), cobrou um ajuste da estratégia do governo para consolidar a base:

— Se uma determinada nomeação não aconteceu, tem uma influência (na base). Se tem um projeto de lei que está em tramitação e que está dependendo de apoio do governo para avançar, é óbvio que isso também tem uma influência.

Responsável pela articulação política, o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, tem sido alvo frequente de críticas entre parlamentares aliados. O governo tem enfrentado dificuldade para consolidar uma base.

Em outra pauta de interesse do agronegócio, a Câmara aprovou na semana passada a urgência do projeto que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Na véspera da votação, o líder do governo na Casa, José Guimarães (PTCE), ainda não tinha uma posição oficial do Executivo sobre o tema. O petista afirmou que o foco estava na aprovação do novo arcabouço fiscal e evitou falar sobre o marco temporal.

Em plenário, o governo cruzou os braços, liberou a bancada e acrescentou que o mérito seria discutido depois. O projeto estabelece que só terras já ocupadas na promulgação da Constituição de 1988 serão demarcadas.

—O governo vai liberar a bancada em relação à urgência. Depois, vamos fazer nova orientação, na apreciação do mérito—afirmou na ocasião o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), vice-líder do governo.

A postura do Palácio do Planalto foi alvo de reclamação da deputada Célia Xakiabá (PSOLMG): —O sentimento é de pouco engajamento da base do governo. Estamos agora mobilizando as partes interessadas, conversando com os líderes e propondo uma redução de danos. Da mesma forma, há uma indefinição sobre o chamado “PL da Grilagem”, que amplia em quase dez anos o prazo para regularização de terras invadidas, além de facilitar os procedimentos. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, já se manifestou a favor. Do outro lado, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, teceram críticas.

A divergência entre os dois ministros foi explicitada no início de maio, quando ambos participaram de uma audiência pública no Senado. Diferentes visões dentro da gestão petista têm contribuído para a lacuna de posicionamentos oficiais. Um exemplo é a redução de poderes das Forças Armadas e a limitação da participação de militares na política. O segmento é um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. A apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de deputados petistas para acabar com operações para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) segue sem definição. O texto, apesar de estar pronto, ainda não foi apresentado à Câmara. O presidente Lula chegou a defender a ideia, mas deixou de se posicionar sobre o assunto.

Enquanto isso, o ministro da Defesa, José Múcio, tem criticado a iniciativa. Como modo de enterrar a discussão, ele articula uma outra PEC que obriga militares a deixarem a ativa para disputar eleições. Ao GLOBO, contudo, o ministro diz que aguarda um posicionamento da Casa Civil para enviar o texto ao Congresso, o que ainda não ocorreu.

Falata de estratégia

Além dos projetos, integrantes da base reclamavam, na semana passada, às vésperas da instalação da CPI dos Ataques Golpistas, da falta de estratégia do governo para a condução dos trabalhos. Este foi o argumento foi usado por senadores aliados para recusar o posto de relator e até mesmo participação no colegiado.

Já no PSB, partido do vicepresidente Geraldo Alckmin, a reclamação é a falta de resposta do governo sobre a pauta da educação, eleita como bandeira pela bancada. Em março, o ministro da Educação, Camilo Santana, se reuniu com deputados da legenda e com embaixadores de países de língua espanhola. A bancada defende a volta do espanhol na base curricular das escolas públicas no ensino médio, como uma alternativa de idioma estrangeiro ao inglês. Apesar de o ministro ter demonstrado receptividade ao tema, não houve ação efetiva. Procurado, o MEC afirmou que a medida passa pela discussão pública da reforma do Ensino Médio.

Como exemplo de ação do Planalto que destravou um assunto e foi bem recebida, parlamentares citam o projeto que alterou a Lei Antiterrorismo. A discussão estava empacada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas, após uma cobrança do relator, Jorge Kajuru (PSB-GO), o ministro da Justiça, Flávio Dino, se posicionou a favor e a norma foi aprovada na comissão.