Título: Sushicídio
Autor: Sergio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 30/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

A vida tem dessas coisas. Num dia a comida japonesa é light, é in, é saudável, por ser constituída de peixe e legumes, e de repente um tsunami assola os restaurantes típicos, não com uma onda, mas como um horripilante verme de até 10 metros de comprimento.

O indesejado hóspede é trazido ao nosso ventre por aparentemente inocentes sushis e sashimis de salmão, até então superstars do cardápio. Como típicos consumidores volúveis, fugimos a quilômetros de distância do haraquiri disfarçado em guloseima, para só depois nos certificarmos da real consistência das manchetes dos jornais. E nem aí para os restauranters, ainda mais que sempre lidaram com certo desprezo para nossa angústia à espera de uma mesa, em pé, do lado de fora, com fome e os pés doendo.

Mas, a bem da verdade, não é bem isso não. O vilão da história, Diphyllobothrium Latum, o que tem de grande tem de bobo. Pertence ao grupo dos Cestodios (uma subclasse dos Platyhelmintos), ordem dos Pseudophyllidea. A infecção por este verme, conhecido há longa data e endêmico em regiões como a Escandinávia, não provoca maiores sintomas, geralmente restritos à sua presença no intestino, sendo os mais comuns cansaço, flatulência (gases), e falta de apetite. Menos freqüentemente pode ocorrer uma anemia por carência de vitamina B12, e dor abdominal só em raríssimos casos nos quais uma infestação maciça provoca um quadro de obstrução intestinal. Os 31 casos paulistas e os 17 cariocas não apresentaram qualquer gravidade maior.

Ainda assustados? As outras infecções por helmintos e enteroparasitários (ancilostomíase, ascaridíase, strongiloidíase, teníase, hidatiose, giardíase e amebíase) afetam 3,5 bilhões de pessoas no mundo, das quais cerca de 10% adoecem de forma mais significativa. A cada ano, a ancilostomíase mata 65 mil pessoas, a ascaridíase 60 mil e a amebíase 70 mil (World Health Organization). Contaminação de alimentos por águas insalubres, praias contaminadas por esgotos e fezes de animais, saladas, carne vermelha, carne de carneiro, e tantas outras possibilidades, que não raro possuímos infecções por múltiplas verminoses.

A contrário destes outros parasitas mais agressivos, que podem comprometer fígado (hidatiose, amebíase), cérebro (cisticercose / tênia), ou o organismo com um todo de forma mais evidente ( strongiloidíase, giardíase), o agora quase inocente ''difilo san'' é de fácil diagnostico pelo exame de fezes, pois elimina 1 milhão de ovos/dia, e de fácil tratamento, sendo erradicado por um vermífugo comum, em dose única.

Importante ainda saber que o parasita não resiste ao congelamento do salmão a -20º C por 7 dias, ou a - 35º C por 15 horas. Conversei com os sushimen dos restaurantes que freqüento, que me garantiram que o salmão servido é congelado a - 38º.

Em caso de dúvida confiram também os seus, e na presença de sintomas vale conversar com o médico para eventual uso do medicamento adequado. Assim, provavelmente, ficarão livres de outros possíveis hóspedes ainda menos desejáveis.

Concluindo, acho que podemos voltar a brigar por um lugar às mesas nipônicas, mas não sem antes perceber como nossas manifestações coletivas têm um enorme poder de transformação, não devendo ser mobilizadas apenas contra as ameaças de cunho gastronômico.