Título: Dramas precoces
Autor: Magno de Aguiar Maranhão*
Fonte: Jornal do Brasil, 29/04/2005, Outras Opiniões, p. A13

A queda na taxa de fecundidade é um dos indicadores do desenvolvimento econômico e social de um país. Significa que a população está mais bem informada com relação a métodos contraceptivos, exercendo seu direito de planejamento familiar e gerando filhos responsavelmente. Os resultados do Censo 2000 do IBGE mostraram que, no Brasil, essa taxa estava em queda, mas, lamentavelmente, excluía os adolescentes da comemoração: o grupo de mulheres de 15 a 19 anos fora o único a apresentar aumento (de 8,7% para 9,1%). A mais recente Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, por sua vez, revelou inversão entre moças de 15 a 17: a proporção das que tinham pelo menos um filho permanecia alta, mas caíra de 7,2%, em 2002 para 6,5%, em 2003, ano em que as Estatísticas do Registro Civil mostravam que 20% das crianças que nasceram e foram registradas tinham mães adolescentes. Agora, Unesco e Ministério da Saúde atacam na mesma frente, alertando que a gravidez precoce e os problemas que dela decorrem já representam a terceira causa mortis entre mulheres jovens no Brasil (2,7 mortes entre cem mil, perdendo para homicídios, com 6,5 mortes por cem mil e acidentes de trânsito, com sete mortes por cem mil). Trata-se, também, da maior causa de evasão escolar entre meninas - 25% daquelas entre os 15 e 17 anos que abandonam os estudos o fazem porque engravidaram.

O Ministério baseou-se em dados da pesquisa ''Saúde Brasil 2005'' e a Unesco nas suas pesquisas ''Juventudes brasileiras'' e ''Juventude e sexualidade''. Trata-se de um problema nacional, que em não poucos casos evolui para o drama. A gravidez precoce jamais é um acontecimento feliz. É uma ruptura na evolução da adolescente, afetando negativamente corpo e mente, comprometendo seu futuro e o do bebê que gerou. A resposta está, obviamente, na educação. As estatísticas mostram que a taxa de fertilidade pula de dois filhos/mãe entre mulheres educadas para sete filhos/mãe entre analfabetas. Entre adolescentes educadas, a taxa de gravidez não chega a 20 por mil e, entre não-educadas, sobe para 200 por mil.

Entretanto, se entendemos bem, a maioria das adolescentes que engravidam não estão fora da escola: pulam para fora dela devido à gravidez. De onde podemos concluir que a escola deveria se fazer mais presente em uma etapa delicada da vida humana, marcada pela despreocupação com o futuro e, não poucas vezes, por uma conduto auto-destrutiva. Digo isso para lembrar que, em uma relação, a mulher pode contrair não só uma gravidez indesejada, mas doenças sexualmente transmissíveis, entre as quais a Aids, que, segundo a Unaids, vêm abrindo suas asas sobre as mulheres e a população jovem, que está sendo infectada pelo HIV com mais rapidez que a população em geral. Já o numero de mulheres infectadas subiu de 43%, em 1998, para 48%, em 2004. Neste momento, há 104 milhões de seres humanos de 15 a 24 anos com Aids.

O curioso é que todas estas informações estão disponíveis para nossos jovens. A televisão está presente na maior parte dos lares brasileiros e, se por um lado ela apela abertamente para a sexualidade a fim de conquistar audiência, por outro lado não cansa de abordar (até em novelas de grande audiência) problemas decorrentes de relações sexuais irresponsáveis, ou seja, sem o uso de preservativos e entre parceiros de pouca idade (a idade da primeira relação, de acordo com a Unesco, baixou de 19 para 15 anos entre meninas e 16 para 14 entre meninos).

Se os jovens estão cientes dos perigos de uma relação descuidada, por que insistem nela? Podemos dizer que eles ouvem as informações, mas não as absorvem. Informação é uma coisa, formação, outra. A primeira, os meios de comunicação fornecem. A segunda deve ser de responsabilidade da família e da escola. Quanto à família, um governo pouco pode fazer em curto prazo. Quanto à forma com que nossas crianças e adolescentes são educados na escola, pode e deve. Na verdade, a preocupação está presente desde a LDB, que preconiza que a educação deve visar à formação integral do indivíduo (o que significa a transmissão de valores), e desde a instituição das novas diretrizes curriculares nacionais, que não esqueceram a orientação sexual.

Apesar de tudo, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis e Aids ainda são assuntos espinhosos para docentes que não foram preparados para abordá-los. Além do mais, como estabelecer uma abordagem mais eficiente do tema em uma escola que oferece pouco mais de quatro horas de atendimento por dia, não desenvolve programas extra-curriculares e não tem condições de colaborar para a formação integral dos alunos? O resultado é que a questão da responsabilidade sexual acaba se resumindo, quando muito, ao fato de se usar preservativos, quando o que se deveria discutir é como chegar a uma vida sexual saudável. As estatísticas preocupantes sobre as conseqüências da desorientação dos adolescentes demonstra apenas que o sistema de ensino já não pode se omitir. E, àqueles que, por preconceito, não admitem que sequer a palavra sexo seja pronunciada na escola, gostaria de lembrar Paulo Freire: não é a educação sexual que leva à promiscuidade, mas a falta dela.

*Magno de Aguiar Maranhão é presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro