O Globo, n. 32801, 28/05/2023. Política, p. 4

Desencontro

Alice Cravo
Dimitrius Dantas
Lauriberto Pompeu


Classificado até por adversários como um “animal político”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diminuiu o ritmo dos encontros com deputados e senadores no início do seu terceiro mandato, momento em que o governo ainda não conseguiu arregimentar uma base fiel no Congresso. Com isso, tornou-se o chefe do Executivo que menos se reuniu com parlamentares desde Dilma Rousseff — conhecida pela sua aversão às negociações políticas. Levantamento feito pelo GLOBO na agenda oficial mostra que, de janeiro até a sexta-feira passada, Lula se reuniu apenas nove vezes com deputados ou senadores de partidos aliados. No mesmo período, o presidente intensificou sua agenda internacional e, em cinco meses, já se encontrou com 30 chefes de governo estrangeiros — apenas um a menos do que o ex-presidente Jair Bolsonaro ao longo de todo os seus quatro anos no Palácio do Planalto.

A ausência do presidente nas negociações tem sido um dos principais pontos citados por parlamentares para justificar a dificuldade que o governo enfrenta para vencer votações no Parlamento. Nos bastidores, criticam o isolamento do petista e dizem ser preciso que ele “desça à planície” para cessar a sequência de derrotas no Legislativo. Bolsonaro, que já foi chamado por Lula de “figura apolítica”, participou, no mesmo período, de 83 encontros com parlamentares, de 17 partidos diferentes. Já Michel Temer, que a exemplo de Lula era conhecido por ter bom trânsito no Congresso, se reuniu 39 vezes com deputados e senadores nos seus primeiros 145 dias de governo.

A frequência com que Lula se reuniu com parlamentares só é maior que a de Dilma — apenas quatro encontros nos primeiros cinco meses. A ex-presidente, no entanto, preferia terceirizar as negociações com o Congresso para seus ministros, como Antonio Palocci ou Aloizio Mercadante. A mesma estratégia agora é adotada por Lula com Alexandre Padilha, chefe da Secretaria de Relações Institucionais. O GLOBO considerou no levantamento apenas as reuniões que foram registradas nas agendas oficiais dos quatro presidentes, sem contar encontros com correligionários e líderes do governo. Os registros oficiais dos compromissos de Lula nas suas duas primeiras passagens pelo governo não estão disponíveis em acervos digitais ou físicos.

A lei que tornou obrigatória a divulgação de compromissos públicos é de 2013. Dilma, contudo, já divulgava suas agendas no início do seu governo, apesar de não existir obrigação legal para isso.

“Ninguém conversa”

Auxiliares apontam que Lula tem escutado menos e adotado uma postura de maior isolamento na comparação com suas outras passagens pelo Palácio do Planalto. Neste mandato, o petista mudou os hábitos e abandonou, por exemplo, os jantares e almoços que costuma promover com líderes partidários, momentos em que, em meio a conversas informais, exercia o poder de persuasão. Encontros do tipo não aparecem na agenda de Lula. No lugar, segundo registros obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, estão almoços com a primeira-dama Rosângela Silva, a Janja. Ao menos dez foram registrados na agenda dela.

Após uma semana de tensões com o Congresso, Lula fez um churrasco, na noite de sexta-feira, no Palácio da Alvorada (mais detalhes na página 6). Mas, de parlamentares, estavam presentes apenas apenas os líderes do governo Randolfe Rodrigues (sem partidoAP), Jaques Wagner (PT-BA) e José Guimarães (PT-CE). De acordo com um integrante da equipe de articulação política, Lula não tem feito reuniões diretas com parlamentares porque hoje, aos 77 anos, não pode seguir uma rotina de trabalho tão intensa como a de 20 anos atrás.

Ressalta ainda que a interação com o mundo político se dá com convites para que deputados e senadores o acompanhem em viagens, como aconteceu na visita à China. No início do mês, após registrar sua primeira derrota importante na Câmara, com a derrubada de trechos de um decreto sobre saneamento, o governo chegou a divulgar que Lula chamaria líderes partidários para reuniões, mas depois recuou. Os encontros aconteceram apenas com Padilha. Um dos que se queixam de não ter conseguido se reunir com Lula até agora é o ex-presidente do Senado e deputado Eunício Oliveira (MDBCE), que foi ministro das Comunicações no primeiro mandato do petista. Ele afirma que falta diálogo do governo com sua base aliada.

— Ninguém fala com ninguém. No Senado, o Jaques Wagner conversa com as pessoas, mas na Câmara ninguém conversa com ninguém —afirma Eunício.

Viagens internacionais

Lula ainda enfrenta críticas em razão do desequilíbrio entre o volume de sua agenda internacional na comparação com a dedicação para a construção da sua base no Congresso. Na largada do governo, no primeiro dia da sua gestão, por exemplo, realizou dez reuniões bilaterais no Itamaraty, com representantes de Estados que vieram para sua posse. Apesar de auxiliares argumentarem que a idade de Lula é um fator que contribui para a diminuição do seu ritmo de trabalho, o presidente já fez mais viagens internacionais neste primeiro ano de mandato do que no mesmo período em 2003. Em sua primeira passagem, até maio, o presidente fez quatro viagens. Neste ano, o petista já fez seis viagens internacionais, passando por Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Japão, Portugal, Espanha e Inglaterra. No início deste mês, em meio às negociações do governo para que a Câmara aprovasse o chamado PL das Fake News, Lula foi questionado se procuraria parlamentares para tratar do assunto, mas negou alegando ser “difícil” falar com todos.

— Eu procuro não me meter muito na questão da Câmara, porque conversar com um já é difícil, imagina conversar com 513 — afirmou o presidente na ocasião. A declaração foi dada no Itamaraty, ao deixar o almoço oferecido ao primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva. Naquele mesmo dia, no fim da tarde, se reuniria ainda com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, no Palácio da Alvorada. Na próxima terça-feira, Lula promoverá uma cúpula com presidentes da América do Sul para tratar de assuntos como saúde, mudança no clima e infraestrutura. O presidente receberá, ainda, o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, em um almoço no Itamarary. No mesmo dia, o plenário da Câmara deve votar o relatório do líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), sobre a MP que reestruturou os ministérios.

O texto do emedebista promove uma série de alterações à organização proposta por Lula no início de seu governo, esvaziando as pastas de Meio Ambiente e Povos Indígenas, o que provocou uma crise na semana passada. Na sexta-feira, em meio aos descontentamentos públicos das ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), Lula se reuniu com as duas e, ao final do encontro, escalou Rui Costa (Casa Civil) para dizer que o Planalto vai atuar para tentar reverter as mudanças. Mas, sem Lula e com prazo exíguo —a MP vence quinta-feira —, aliados veem chance mínima de sucesso.