O Globo, n. 32800, 27/05/2023. Política, p. 4

Jogo truncado

Alice Cravo
Camila Turtelli
Lauriberto Pompeu


Após dar aval ao acordo que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, os auxiliares escalados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do tema anunciaram que buscarão reabrir o debate com o Congresso e tentar reverter mudanças feitas na medida provisória que reorganizou a Esplanada. Além de uma base frágil, o tempo joga contra o Palácio do Planalto: a MP precisa ser apreciada até 1º de junho, sob pena de voltar a vigorar a estrutura deixada por Jair Bolsonaro. Caminhando no sentido oposto, o Parlamento já planeja novas derrotas à agenda liderada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente).

Já como uma porta de saída, no mesmo discurso em que defenderam diálogo com o Congresso, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também pontuaram que as mudanças feitas pelos parlamentares não impedem a implementação do programa de governo. Lula convocou Marina, Padilha, Costa, a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e líderes no Congresso após a aprovação, em comissão mista, do relatório apresentado pelo deputado governista Isnaldo Bulhões (MDB-AL). O texto retirou do Meio Ambiente o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Agência Nacional de Águas (ANA). A demarcação de terras indígenas foi deslocada da pasta de Guajajara para o Ministério da Justiça, de Flávio Dino. De acordo com a colunista Vera Magalhães, do GLOBO, Marina disse a portas fechadas que as políticas ambientais foram atacadas pelo Congresso, mas que ficará no cargo.

Também durante a reunião, o Planalto deixou claro que a prioridade é evitar que o texto piore. Uma ala da Câmara planeja uma mudança que permitiria que licenças ambientais fossem emitidas por estruturas além do Ibama, como o Ministério de Minas e Energia, que está no centro de uma disputa com o órgão ambiental. Uma possibilidade analisada internamente é que pastas que perderam funções tenham participação na definição de políticas públicas que foram redirecionadas para outros ministérios. O Planalto trabalha por uma gestão compartilhada, por exemplo, entre as pastas de Meio Ambiente e Integração na ANA. Relator da medida provisória e aliado do governo, Bulhões indicou que a margem de negociação com o Congresso é curtíssima.

— As prerrogativas do nosso governo estão asseguradas. As mudanças apresentadas no texto estão em convergência com o governo — reforçou o relator ao GLOBO.

Novos embates

A pressão do Congresso sobre Marina, cujo ministério tem pouco apoio político, na definição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), não se limitará às derrotas desta semana. Logo depois da votação do marco temporal das terras indígenas, prevista para terça, a bancada ruralista tem como uma prioridade um projeto que prevê indenização para proprietários cujas terras passaram a ser consideradas reservas indígenas. Outra é avançar com o texto que amplia o número de agrotóxicos que podem ser usados no país, apelidado de “PL do Veneno” por ambientalistas.

A proposta de indenização aos donos de terras já foi aprovada pelo Senado e está em análise na Câmara, onde é o próximo da lista da bancada próxima ao agronegócio. Assim como em outros temas que opõem ambientalistas e ruralistas, o projeto divide membros do governo. Uma ala vê a indenização como uma ferramenta para pacificar a questão da demarcação das terras indígenas. Por outro lado, o ministério de Sonia Guajajara resiste.

Já a proposta que amplia a quantidade de defensivos agrícolas está no Senado. Ainda que sob a relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), ruralistas acreditam que o texto pode avançar neste semestre. Na quarta-feira, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, deve participar de uma audiência pública sobre o assunto.

Outro tema com potencial de desgaste para Marina, este fora do Congresso, é a renovação da licença da hidrelétrica de Belo Monte. Para interlocutores, como a usina já está em funcionamento, a ministra não vai se opor, mas a expectativa é de uma análise detalhada sobre os critérios técnicos. Em meio ao turbilhão, o deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, diz que a ministra não foi “abandonada”:

— Não vejo abandono. Mas faltou uma articulação maior entre o Congresso e o Ministério do Meio Ambiente

Panos quentes

Em público, ontem, Rui Costa tentou passar o tom de unidade, pedido por Lula, e afirmou que o governo intensificará as conversas.

— Vamos trabalhar no Congresso para que a essência das políticas públicas permaneça. Precisamos reafirmar a prerrogativa de quem ganhou a eleição —afirmou. Costa classificou como “inócua” a discussão sobre o CAR, cujo comando passou do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão. O ministro ponderou que o acesso às informações acrescentadas pelos proprietários rurais seguirá aberto para os órgãos do governo. Ele pontuou ainda que apenas a homologação das terras indígenas foi deslocada para a Justiça e que as fases anteriores do processo seguem no ministério de Guajajara. Padilha acrescentou que as conversas com o Congresso continuarão ocorrendo para que sejam feitos os “aprimoramentos necessários”.

—Vamos dialogar até o último momento de votação, para que o texto final tenha o espírito da MP inicial — disse Padilha, descartando uma ação no Supremo Tribunal Federal.