O Globo, n. 32800, 27/05/2023. Política, p. 6

Quatro siglas da base votaram em peso contra Marina

Marlen Couto


Deputados federais de partidos que comandam 19 ministérios do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) votaram em peso esta semana em medidas que afrouxaram regras de proteção a terras indígenas e de preservação ambiental. Aprovadas com aval dessas legendas, a alteração da Lei da Mata Atlântica e a urgência do marco temporal representaram vitórias da bancada ruralista, derrotas para as pastas de Meio Ambiente, de Marina Silva (Rede), e Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL) e abertura da crise entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

A grande maioria dos parlamentares de PT, União Brasil, PSD e MDB, votou na quarta-feira para rejeitar alterações feitas pelo Senado na Medida Provisória (MP) da Mata Atlântica. Na prática, o movimento significou abrandar a legislação, o que pode contribuir para o desmatamento de áreas protegidas. No caso da sigla de Lula, foram 35 votos para permitir a alteração Lei da Mata Atlântica, o que representa 69% do total de parlamentares que votaram. Apenas 16 deputados petistas foram contra as mudanças e dois se abstiveram. A bancada foi liberada para a votação. No MDB e PSD, esse número chegou a 97%, enquanto no União Brasil, cuja atuação no Congresso tem sido marcada por infidelidade ao Planalto, somou 87% dos votos. Em menor grau, deputados do PSB (38% do total) e PDT (36%) também contribuíram com a aprovação da versão da MP com retrocesso ambiental. Já PSOL, PCdoB e Rede se posicionaram em peso contra os “jabutis” no texto.

O Senado havia aprovado a MP da Mata Atlântica, mas derrubado emendas da Câmara que, entre outras coisas, retiram a exigência de compensação em caso de desmatamento de vegetação fora das áreas de preservação permanente e flexibilizam o desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração. A retomada dessas mudanças, porém, foi incluída na proposta pelo relator na Câmara, Sérgio Souza (MDBPR), que decidiu ignorar a decisão do Senado de impugnar os dispositivos. Originalmente editada pelo governo Jair Bolsonaro (PL), a MP tratava apenas do adiamento do prazo para adesão de proprietários de terra ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e perderia a validade na próxima semana. Apesar da adesão de petistas, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), sinalizou que Lula vai vetar a medida provisória. O veto foi enfatizado nas redes sociais pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que votou pela aprovação do novo texto da MP. Procurada, Gleisi não respondeu a um pedido do GLOBO para explicar se houve acordo para parlamentares do PT se posicionarem a favor das mudanças na Lei da Mata Atlântica. Padilha garantiu que tanto o Senado quanto a Câmara têm compromisso de não derrubar o veto.

— Já existe um compromisso do Senado de que, (o presidente) vetando, não seja derrubado o veto. Na própria Câmara, a liderança já sinalizou de que (o veto) também não seria derrubado —disse o ministro em entrevista à GloboNews. Relator da MP na Câmara, Souza afirmou ao GLOBO, porém, que o acordo não está completamente equacionado. Na votação em que a Câmara aprovou a urgência do projeto do marco temporal, o governo liberou sua bancada. A adesão também foi maior no União Brasil e PSD. Nas duas siglas, mais de 90% dos deputados foram a favor de acelerar a análise do projeto, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos na data da promulgação da Constituição, em 1988. O Supremo Tribunal Federal (STF) também voltará a analisar o tema no mês que vem. No MDB, 89% dos parlamentares votaram pela urgência. PSB e PDT também somaram votos favoráveis, mas não foram maioria nas legendas. Todos os deputados de PT, PSOL, Rede e PCdoB, por outro lado, foram contra a urgência do projeto de lei.

Esvaziamento

O apoio de parlamentares de siglas que compõem o Ministério de Lula ocorreu um dia depois de o governo federal liberar R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares para fortalecer sua base no Congresso em meio à votação do arcabouço fiscal, cujo texto-base foi aprovado na Câmara. Também se soma ao contexto de esvaziamento de ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, que ocorreu com endosso do governo.

A pasta de Marina Silva perdeu a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), para o do Desenvolvimento Regional. O ministério de Guajajara deixa de gerir a demarcação das terras indígenas, que passa a ser de responsabilidade da Justiça. O relatório ainda precisa ser votado na Câmara e no Senado.