O Globo, n. 32799, 26/05/2023. Política, p. 6

Esvaziamento de pasta indígena gera reações

Nicolas Iory


A aprovação do parecer que retira do Ministério dos Povos Indígenas a atribuição de cuidar das demarcações de terras provocou indignação de órgãos oficiais, entidades da sociedade civil e lideranças ligadas à causa. Pelo texto avalizado na última quarta-feira por uma comissão formada por deputados e senadores, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a ser o responsável pelo reconhecimento de terras indígenas. O texto ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado para entrar em vigor.

A medida, que esvazia a pasta, também gerou reação do Ministério Público Federal. O órgão classifica a mudança como “retrocesso jurídico” e “ataque às conquistas do movimento indígena”. Em nota, o MPF destaca que há centenas de reivindicações aguardando análise.

Principal braço de Estado voltado aos povos indígenas, a Funai diz ser o único órgão público com corpo técnico especializado para reconhecer e fazer demarcações. Para a Funai, a mudança “traz sérios riscos” para a atuação da fundação.

“Retirar a competência de identificar, demarcar e registrar as terras indígenas da Funai é fragmentar um processo administrativo que dialoga com outros eixos essenciais da política indigenista. Uma eventual fragmentação aprofundará conflitos sociais, ampliará o número de ações judiciais e retardará a definição de limites territoriais que são relevantes”, argumenta em nota.

A ministra Sonia Guajajara classificou a mudança como um “equívoco perigoso”. Disse que a proposta “põe em risco direitos dos povos indígenas e abre espaço para influências políticas e interesses econômicos prevalecerem sobre direitos ancestrais”.

Guajajara também afirmou, em entrevista à GloboNews, que esperava maior empenho do presidente Lula para evitar que seu ministério perdesse essa atribuição por obra do Congresso:

— Não posso negar que há, sim, certa frustração, até porque o presidente Lula se comprometeu durante a campanha. Sei que o Congresso Nacional está se transformando muito, sendo que a bancada ruralista está muito articulada. Acho que o presidente Lula poderia ter entrado um pouquinho mais para impedir essa retirada do Ministério dos Povos Indígenas.

“Sérios riscos”

A Comissão Pró-Índio de São Paulo classificou a mudança como “mais um retrocesso”. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) argumentou que a medida tomada pelo Congresso equivale a “dizer que os indígenas não têm direito de decidir sobre os seus próprios territórios”.

A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) propôs levar o tema ao Supremo Tribunal Federal — como também sugeriu a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, outra pasta que sofreu esvaziamento.

A deputada Juliana Cardoso (PT-SP) faz coro à ideia:

— Quando o Legislativo não enxerga o que está na Constituição, a gente tem que recorrer ao Judiciário.