O Globo, n. 32798, 25/05/2023. Opinião, p. 2

Novo arcabouço será pretexto para aumentar impostos



A Câmara dos Deputados aprovou enfim o projeto do novo arcabouço fiscal, que precisa passar pelo crivo do Senado. A última versão do relator Cláudio Cajado (PP-BA), aprovada por 372 votos a 108, traz avanços em relação à original, enviada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Aprová-la será melhor do que nada, já que a regra fiscal anterior, o teto de gastos, é letra morta. Ainda assim, há várias dúvidas sobre sua eficácia para estabilizar a dívida pública e uma certeza: para ela funcionar, a arrecadação precisará subir. O novo arcabouço será, portanto, o pretexto de que o governo lançará mão para elevar a carga tributária.

Entre os últimos ajustes positivos está o endurecimento na permissão para gastar em 2024. Na primeira versão do relator, a limitação ao aumento das despesas no ano que vem seria inócua, pois elas cresceriam automaticamente no percentual máximo permitido (2,5%). Cálculos de economistas independentes estimavam uma ampliação da ordem de R$ 80 bilhões. Depois da pressão, o relator atrelou o aumento nos gastos ao crescimento da receita. Eventuais brechas serão descontadas no ano seguinte.

Cajado também manteve dentro da base de gastos as despesas do fundo para financiar o governo do Distrito Federal (dependente de repasses da União) e do Fundeb, voltado para educação básica (embora, no caso deste último, a base também cresça na medida da elevação constitucional prevista para o fundo). Como já determinara no primeiro parecer, o governo sofrerá sanções caso não cumpra as metas fiscais. Entre as limitações está a proibição de criar cargo, emprego ou função que aumente a despesa. Com descumprimento por dois anos consecutivos, ficarão vetados concursos, aumentos ou reajustes para o funcionalismo. Haverá, portanto, alguma trava à irresponsabilidade fiscal.

Uma mudança negativa está na regra adotada para cortes em caso de descumprimento da meta. Na versão anterior, o governo definiria onde segurar gastos. Pelo que foi aprovado, haverá bloqueio na mesma proporção em investimentos, custeio da máquina e emendas parlamentares (critério chamado de “contingenciamento linear”). A medida protege os congressistas e suas bases eleitorais, em detrimento de grandes projetos de investimentos e das necessidades do cidadão.

Embora positivo na comparação com a proposta do Ministério da Fazenda, o texto deixa muito a desejar. São confusas e incertas as regras necessárias para garantir que o governo, qualquer que seja, pare de elevar a dívida pública rumo a patamares insustentáveis. O novo arcabouço depende de forte aumento nas receitas para funcionar e livra o presidente de punição por crimes fiscais (como os que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff). A alta obrigatória nos gastos libera o governo para adotar toda sorte de medida populista, do aumento do salário mínimo a subsídios e agrados a empresários amigos. Para a sociedade, o custo provável será maior carga de impostos.

O governo informou que pretende zerar o déficit primário em 2024 e alcançar superávits em torno de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Após quase cinco meses no poder, passou na Câmara uma nova regra fiscal com teto móvel, do jeito como queria.