O Estado de S. Paulo, n. 46618, 06/06/2021. Política, p. A5
Presidente vai a 73% dos eventos sem máscara
Augusto Conconi
Carlos Marin
Tulio Kruse
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro esteve na maior parte dos compromissos públicos sem máscara e provocou aglomeração. Ele ficou sem a proteção ao longo de toda a agenda em sete a cada dez eventos, ou 73% dos casos, viajou a 76 cidades do Brasil e provocou 99 aglomerações, de acordo com levantamento do Estadão a partir de dados extraídos da conta oficial do Palácio do Planalto no Flickr – plataforma que funciona como banco de imagens.
Apenas eventos com a presença de Bolsonaro foram considerados no levantamento. As imagens analisadas compreendem o período de março de 2020, quando o País teve sua primeira morte por coronavírus, até a última viagem internacional do presidente – para Quito, no Equador. Foram 459 eventos fotografados, mais de um por dia, sendo que 138 ocorreram fora do Distrito Federal.
Opositores ao presidente fizeram, na semana retrasada, manifestações de rua em cerca de 200 cidades nas quais, apesar das recomendações de segurança e do uso generalizado de máscaras, também houve aglomerações em atos que reuniram milhares de pessoas. Especialistas dizem que, mesmo quando há uso de máscara, é necessário ao menos 1,5 m de distância para reduzir o risco de transmissão do coronavírus. Aglomerações em ambientes fechados, no entanto, são consideradas as mais perigosas para a propagação da doença.
Na análise dos eventos dos quais Bolsonaro participou, foram consideradas aglomerações toda situação com a participação de populares, em locais abertos ou fechados, em que mais de cinco pessoas ocupavam espaços sem observar distanciamento mínimo entre si.
Em resposta a um requerimento apresentado à CPI da Covid pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que solicitou ao governo uma planilha com os deslocamentos do presidente no DF, o Planalto afirmou que “não foram identificados registros oficiais de deslocamentos”. O próprio Palácio do Planalto, no entanto, publica as fotos oficiais na plataforma.
Propagação. Coordenador técnico do Comitê Gestor da Pandemia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o médico Bernardino Alves Souto afirma que a pandemia se agravou no Brasil com a falta de incentivo para que a população ficasse em casa e o desrespeito às medidas de proteção. Ele diz que aglomerações com várias pessoas sem máscara ajudam a propagar o vírus e pioram a situação da pandemia. “Sem máscara, a gente não pode ficar em lugar nenhum – mesmo em ambiente aberto é prudente usar e ainda assim manter distanciamento”, disse ele.
A negação de evidências científicas sobre a pandemia também serve a propósitos políticos de Bolsonaro, na visão da cientista política Camila Rocha, que pesquisa os movimentos de extrema direita no Brasil. “Pesquisas que fazemos com eleitores que não votam nem em Bolsonaro nem no PT – o eleitorado que chamamos de nem-nem – mostram que eles repetem esse discurso: de que têm direito ao trabalho mesmo na pandemia, e isso reforça a narrativa dele (Bolsonaro) de que é muito mais importante preservar a economia do País”, afirma Camila.
Ela diz que esse discurso dá margem para explorar uma imagem de vitimização do presidente. “Essa ideia de que ‘ninguém deixa Bolsonaro trabalhar’ e que estão todos contra ele é muito forte, aglutina a base bolsonarista e, inclusive, é motivação para discursos mais radicalizados que pedem impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal e fechamento do Congresso.”
Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou até a conclusão desta edição.
‘Distanciamento’
“Sem máscara, a gente não pode ficar em lugar nenhum – mesmo em ambiente aberto é prudente usar (a proteção) e ainda assim manter o distanciamento.”
Bernardino Alves Souto
Médico e Coordenador Técnico do Comitê Gestor da Pandemia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)