Título: Juros e perjuros
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 02/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Os vetores fiscal e monetário devem operar no mesmo sentido. E o que se vê é o braço fiscal empurrando para a esquerda, gastando sempre mais

A maioria dos analistas econômicos, por uma questão de formação, assim como os mercados financeiros, por um pleito de necessidade, padecem de dois defeitos: o primeiro, é que mantêm os olhos e os ouvidos fixos no curto prazo, crentes na máxima de Keynes - que é uma ode à vida das cigarras e um réquiem à das formigas - de que, no longo prazo, estaríamos todos mortos. O segundo é que se fixam na política monetária, esquecendo-se de suas importantes vinculações com o regime fiscal. Nosso presidente, por sua vez, enfatiza a importância dos traseiros...

Por isso, a cada aumento da taxa de juros promovida pelos tecnocratas do Copom, ouvem-se apupos de praticamente todos os setores econômicos e políticos do país. O que mais se escuta são frases do tipo ''com essa taxa de juros, o crescimento da economia torna-se inviável''. Não é que a taxa de juros básica determinada pelo Banco Central não seja uma variável importante nas decisões de produzir e de tomar empréstimos, mas não é a única. E, mais importante do que isto, está ligada à estrutura do regime fiscal do setor público, que é formado pela sucessão das políticas fiscais conjunturais. Além disso, mesmo que tivéssemos uma taxa de juros real ''normal'', na casa de 5%, 6%, ainda assim teríamos enormes obstáculos para crescer de forma sustentada, porque os impedimentos e barreiras institucionais - o custo Brasil - são de irritar qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Com efeito, nossa burocracia exige a média de 152 dias para se abrir uma empresa; os encargos sobre a mão de obra mais do que duplicam os custos por trabalhador; a carga tributária é tão pesada e complexa que nem o mitológico Atlas a suportaria sobre os ombros e o índice de corrupção é de fazer inveja ao dos últimos tempos do Império Romano. Isto, somado a um governo politicamente incompetente, anula qualquer possibilidade de deixarmos de nos manter na eterna expectativa de ''país do futuro''. Na verdade, esses empecilhos apenas vão empurrando o futuro para o futuro, ao invés de antecipá-lo para o presente.

Nossos juros altos são uma questão de perjuros - juramentos em falso - por parte dos responsáveis pelo regime fiscal, quando dizem que as contas do governo estão equilibradas! E isto vem ocorrendo desde os anos 80, governo após governo. O problema é que o atual, com seus 35 ministérios e secretarias e seus incontáveis conselhos, tem sido voraz no sentido de aumentar os gastos permanentes do Estado, que afetam não apenas a conjuntura, mas a estrutura dos gastos públicos. Cinqüenta mil ''companheiros'' contratados, recriação de empresas e órgãos estatais carcomidos pelo tempo e pela corrupção endêmica; programas ''sociais'' que, a título de alimentarem os pobres, enchem a pança dos burocratas que deles cuidam... No Legislativo e no Judiciário, o comportamento não é diferente, tem sido mais que repetitivo.

Em suma, não existem políticas anti-inflacionárias de um braço só, como dizia o saudoso, competente e honrado Prof. Octavio Gouvêa de Bulhões! Ambos os vetores, o fiscal e o monetário, devem operar no mesmo sentido. E o que se vê, um governo atrás do outro, é o braço fiscal empurrando para a esquerda, gastando sempre mais e arrecadando também sempre mais e o braço monetário empurrando para a direita, em busca da estabilidade de preços. A resultante, óbvia demais, mas que parece não ser percebida, é que a economia fica paralisada.

O superávit primário de 4,25 % do PIB transforma-se em déficit nominal de cerca de 2,5% do PIB, computados os juros da dívida interna. Quando tivermos, enfim, o Estado 1.0 e a redução do custo Brasil, as taxas de juros cairão como que por milagre e a dívida interna, sem dúvida um enorme abacaxi, poderá ser descascado tranqüilamente, com o alongamento dos prazos dos títulos. Sem qualquer necessidade de levantarmos nossos traseiros das poltronas...

*Ubiratan Iorio, presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista- Cieep e escreve às segundas-feiras nesta página (lettere@ubirataniorio.org)