Título: O traseiro e as taxas de juros
Autor: Marcus Quintella
Fonte: Jornal do Brasil, 02/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Ao criticar o comodismo do povo brasileiro, que não muda de banco para procurar juros mais baixos, nem deixa de fazer uso dos cartões de crédito, o presidente Lula lava suas mãos e, de forma tácita, recomenda ao povo para se virar sozinho.

Segundo o presidente Lula, as pessoas ''não tiram o traseiro da cadeira para tentar obter juros menores e reclamam toda noite dos juros pagos e no dia seguinte não fazem nada para mudar''. Não é bem assim. Há quase três anos, mais de 45 milhões de brasileiros fizeram algo importante para mudar o país: elegeram o próprio Lula para presidente, acreditando na baixa dos juros, na diminuição do desemprego, na melhoria da qualidade de vida, na estabilidade econômica, entre outras coisas. Logo, a tarefa de promover a baixa dos juros não pode ser delegada ao povo brasileiro, uma vez que a política monetária está sob a responsabilidade do Banco Central e a política econômica encontra-se sob a batuta do Ministério da Fazenda. Estes, sim, têm o dever de atuar para que as taxas de juros mantenham-se num patamar aceitável.

Entretanto, a taxa de juros é utilizada pelo governo como instrumento de controle da inflação e a elevação da Selic beneficia a rentabilidade dos títulos públicos. À medida que o Banco Central eleva a taxa Selic, crescem os lucros dos bancos, que aplicam seus recursos nos papéis do governo, reduzindo, conseqüentemente, o volume de crédito, que, por sua vez, pressiona para cima as taxas de juros bancárias. Cabe lembrar ainda que existe uma estrutura oligopolista no sistema financeiro nacional, concentrada em cerca de dez bancos comerciais, incluindo os oficiais, detentores de 85% do mercado brasileiro, que praticam altas taxas de juros pouco diferentes entre si. Por esta razão, mudar de banco para conseguir juros mais baixos, além de complicado, é uma atitude ineficaz.

Paralelamente, pode-se citar também a alta carga tributária brasileira, em torno de 40% do PIB, como fomentadora da elevação dos juros, pelo fato do governo aumentar tributos para cobrir os incontroláveis gastos públicos. Forma-se, assim, um círculo vicioso, já que os juros altos provocam retração na demanda, contenção na produção, desemprego, diminuição da renda, inadimplência e mais aumento dos juros. Como mais da metade da dívida pública federal é indexada à taxa Selic, há excesso de gastos com juros e escassez de investimentos em educação, saúde, habitação, segurança e infra-estrutura, e mais aumento tributário. Para agravar este quadro, os juros elevados atraem especuladores internacionais, que entram e saem do país, num passe de mágica, com lucros fantásticos, afetando a taxa de câmbio, a balança comercial, as reservas de divisas e o risco-Brasil, acarretando em mais aumento das taxas de juros. Por outro lado, com a perda do poder de compra dos baixos salários pagos no país, o brasileiro médio é empurrado para o cheque especial, cartão de crédito ou empréstimo pessoal, para fechar o mês, criando, assim, outro círculo vicioso, com os inevitáveis atrasos e a conseqüente inadimplência, que provocam mais aumentos nas taxas de juros.

Finalmente, seguindo a linha de raciocínio de nosso presidente, o brasileiro também deveria levantar o traseiro da cadeira para encontrar tributos mais baratos, tarifas de serviços públicos mais em conta e salários mais elevados. Pensando bem, é melhor o brasileiro ficar sentado na cadeira para não se frustrar. Pode-se concluir, então, que o governo é que deveria tirar o traseiro da cadeira e mostrar resultados concretos para a população.

* Marcus Quintella é professor do IME e da FGV (marcusquintella@uol.com.br)