Título: Um ano sem paz
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 02/05/2005, Rio, p. A13

Atentado contra líder comunitário do Vidigal traz de volta o medo de que a guerra com traficantes da Rocinha faça novas vítimas. Polícia reforça segurança em hospital para evitar novo ataque

O Hospital Miguel Couto, na Gávea, amanheceu com policiais militares reforçando a segurança na entrada principal. A medida, determinada pelo Comando da PM, refletia no asfalto a tensão que as comunidades do Vidigal e da Rocinha voltaram a viver um ano depois de iniciada a guerra de traficantes que deixou dezenas de mortos e tirou o sono de boa parte da Zona Sul. Ontem, o temor era de que traficantes tentassem matar o presidente da Associação de Moradores do Morro do Vidigal, Luís Carlos da Silva, 44 anos, internado na UTI, depois de levar três tiros de escopeta na tarde sábado. O atentado reacendeu o medo que há um ano ronda as duas comunidades e teve início com a morte de sete pessoas.

De acordo com PMs que fazem o policiamento no Vidigal, os moradores estão amedrontados porque a tentativa de homicídio aconteceu à luz do dia, em frente à sede da associação, que permanece fechada. O comandante do 23º BPM (Leblon), coronel Mendes, garantiu que o número de policiais militares também foi reforçado nos principais acessos do Vidigal, ocupado por agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do 23º há um ano, desde que uma série de tentativas de invasão e tiroteios afetam a região.

A guerra explodiu no feriado de sexta-feira da Paixão em 2004 e resultou na morte de cinco pessoas, entre elas a da empresária mineira Telma Veloso Pinto, que estava de folga com a família e levou um tiro na cabeça ao passar por uma falsa blitz na Avenida Niemeyer.

O serviço reservado da PM trabalha com duas hipóteses para o atentado contra o líder comunitário. A primeira indica que integrantes do Comando Vermelho, que domina o comércio de drogas no Vidigal, estejam envolvidos. Os traficantes Ricardinho, o ex-presidiário Code e 52 são apontados como os braços-direito de Patrick Salgado Souza Marins, antigo chefe do Vidigal, que cumpre pena no presídio Bangu 3.

A outra hipótese é considerada remota, mas os policiais não descartam a possibilidade da facção Amigos dos Amigos (ADA) estar envolvida, por ser rival declarada dos traficantes do Vidigal. Na Rocinha, Bem-te-vi, Joca e Soul são considerados os responsáveis pelo tráfico e ainda obedecem ordens Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, preso no Complexo de Bangu.

Segundo o serviço reservado da PM, os homens que atiraram no presidente da associação estavam encapuzados. As áreas patrulhadas incluem as principais vias de acesso à Rocinha, como a Avenida Niemeyer e a Estrada da Gávea, e o extenso matagal que separa as duas favelas.

De acordo com o boletim médico de ontem à tarde, o quadro de saúde de Luís Carlos da Silva é estável. Os tiros perfuraram a barriga e ainda provocaram duas fraturas expostas: uma na perna direita e a outra na articulação da coxa esquerda.

A guerra pelo controle do tráfico de drogas nas favelas teve o seu episódio mais violento na madrugada da Sexta-Feira da Paixão, em 2004, quando traficantes ligados ao Comando Vermelho tentaram invadir a Rocinha. Três pessoas morreram na ação e a PM passou a ocupar permanentemente a favela. Quatro dias depois, Luciano Barbosa, o Lulu, líder do tráfico no local, foi morto em confronto com policiais do Bope.

A invasão da Semana Santa foi liderada por Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, que chefiou o tráfico na Rocinha até 1997, quando foi preso. Os bandidos fizeram uma falsa blitz na Avenida Niemeyer para roubar carros que seriam usados na invasão. Telma Veloso Pinto, 38 anos, que passava pelo local, teria ficado assustada e arrancou com seu Citroën Xsara.

Devido ao confronto, policiais de diversos batalhões passaram a ocupar as principais entradas e pontos estratégicos da favela. Nove pessoas, entre elas dois PMs e o líder do tráfico local, Lulu, morreram durante a semana. Desde então, os traficantes remanescentes de seu bando aderiram à facção Amigos dos Amigos (ADA).

A polícia sabia da possibilidade de uma guerra entre traficantes desde o início do ano, quando Dudu saiu da prisão, conforme havia noticiado o JB. Ele ganhou na Justiça o direito de visitar sua família, saiu pela porta da frente do presídio e não voltou mais.

O traficante controlou o tráfico na Rocinha até ser preso, em 1997.