Título: Na estrada pela reforma agrária
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 03/05/2005, País, p. A3

Mais de 10 mil sem-terra iniciam marcha para pressionar governo a acelerar programa. Rádios de pilha orientam os manifestantes

Crianças de colo, deficientes e centenas de idosos engrossam a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que saiu ontem de Goiânia, rumo a Brasília. A manifestação é considerada dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) como a maior de sua história. São mais de 10 mil pessoas, orientadas por rádios de pilha sintonizados na rádio Brasil em Movimento, itinerante, que funciona em um caminhão. O asfalto quente não impede que vários manifestantes marchem descalços. Eles vieram de 23 Estados em ônibus fretados. A sem-terra Maria Aparecida mora em Itaquiraí (MS) e diz que não hesitou em levar os filhos para a marcha em Goiânia, incluindo a pequena Rafaela, de 8 meses. Ela percorreu a marcha em um carrinho de bebê.

O paraplégico Josélio de Sousa, de 28 anos - acampado na Fazenda Maísa - gastou três dias de ônibus entre Mossoró (RN) e Goiânia para participar da marcha com seu carrinho, que ele move com a mão. Josélio diz que mora sob uma barraca de lona e espera o assentamento definitivo para ele e os quatro irmãos.

- Vim para dar um exemplo de luta em favor da reforma agrária. Quero pedir ao Lula para ajudar mais os pobres - diz Josélio.

O estudante Felipe Alves da Silva, de 13 anos, participa de uma marcha pela primeira vez. Com o rosto suado, diz que a família deixou os acampamentos da região do alto Araguaia em Goiás para engrossar o movimento. Ontem, Felipe percorreu a pé os primeiros 16,5 quilômetros.

- Vou pedir a Lula para arrumar as estradas e os colégios - diz.

A expectativa de vários idosos que estão na marcha é ver Lula de perto e entregar alguma mensagem. Diabética e com problemas na coluna, Rute Gomes de Oliveira, 60 anos, marchou todo o percurso de ontem, junto com o marido, Laurindo Gomes, de 67 anos, e o neto, Maxuel, de 14 anos. O casal mora no assentamento Canudos, em Palmeira de Goiás.

- O Lula tem de criar mais coragem para fazer a reforma agrária. Estaremos lá em Brasília para dar força a ele. Se a gente não der esse impulso, ele vai cair - acredita.

Laurindo diz ter recebido um lote na reforma agrária há seis anos, mas não teve acesso a todos os financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Além disso, afirma ele, a energia elétrica só agora vem sendo instalada no assentamento, o que impedia a utilização de maquinário.

- O Brasil é o país da escravidão, do latifúndio e da repressão.

Além da rádio itinerante - que no seu primeiro dia teve falhas de transmissão - o MST montou uma estrutura tecnológica, que inclui câmeras digitais para registrar a marcha. Os radinhos de pilha e os fones de ouvido foram emprestados pela organização do Fórum Social Mundial e serão devolvidos após a marcha. Além da Polícia Rodoviária Federal, a segurança do percurso é feita por homens do MST, que circulam de moto. Uma ambulância socorre os que passam mal.

O MST também reforçou a segurança interna do movimento. Cada bloco de sem-terra tem um coordenador e um segurança, tudo para evitar infiltrações. Os sem-terra só dão entrevistas quando autorizados pelo movimento. Muitos manifestantes marcham com guarda-chuva e chapéu de palha. A marcha foi planejada durante um ano e as despesas com comida e transporte foram pagas pelos assentados.

A marcha chega em Brasília dia 17. Até lá, 60 manifestantes estarão mobilizando organizações não governamentais, sindicatos e representações de estudantes para a recepção da marcha no centro de Brasília. Em 1997, o MST conseguiu reunir mais de 100 mil na capital, com uma marcha composta por pouco mais de 1,3 mil pessoas. Desta vez, o movimento não tem estimativas do número de pessoas que poderão recepcionar a marcha.