Título: ''Estamos apertando demais o país''
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 01/05/2005, País, p. A4

Um dos principais interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Senado, o líder do PT, Delcidio Amaral (MS), faz coro com a iniciativa privada quando analisa a situação da infra-estrutura no país. Para ele, é motivo de ¿muita preocupação¿ a escassez de investimentos em portos, rodovias e ferrovias, que estariam, em determinados casos, ¿num estado absolutamente deplorável¿. ¿ Hoje, prevalece a questão do contigenciamento e da austeridade. Se você não afrouxar um pouco para soltar investimentos, não conseguiremos fazer frente (aos gargalos) ¿ declara Delcidio, ressaltando que o problema é de responsabilidade de sucessivos governos.

Engenheiro eletricista de formação e executivo de carreira, com passagens pela diretoria da Petrobras e pela presidência do Conselho de Administração da Companhia Vale do Rio Doce, Delcidio também faz restrições à atuação de determinados ministérios.

¿ Algumas aéreas do governo têm dificuldades de gestão. E é isso que atrasa a implementação daqueles projetos que o presidente Lula tem permanentemente cobrado.

De acordo com o senador, melhorar a eficiência é fundamental, antes de tudo, para que o chefe do Executivo consiga cumprir suas promessas de campanha e manter a credibilidade. Em entrevista ao JB, Delcidio aposta na reeleição de Lula, que teria estabelecido as bases para o país deslanchar, e mete a cunha na polêmica do momento.

¿ Estamos apertando demais o país, com os juros subindo, e os resultados não são os esperados. O Conselho Monetário Nacional está hermético demais para meu gosto.

¿ O governo conseguirá aprovar o nome de José Fantine para diretoria-geral da Agência Nacional do Petróleo?

¿ Precisamos trabalhar para isso. Verificar como solucionar essas insatisfações que têm ocorrido na base de sustentação do governo no Senado, até porque o Fantine é um excelente nome, uma pessoa respeitada. Foi o grande responsável por toda a estratégia de negócios da Petrobras. Falam que ele é estatizante, mas as primeiras parcerias privadas da Petrobras foi ele quem desenhou. As pessoas poderiam esperar alguém que era superintendente de Planejamento da Petrobras fazendo campanha pela quebra do monopólio?

¿ Não é preciso respeitar a decisão da Comissão de Infra-estrutura do Senado, que rejeitou o nome de Fantine?

¿ Isso não é argumento, ou é argumento, no mínimo, parcial. O Luiz Alfredo Salomão foi rejeitado (pelo plenário, depois de aprovado em comissão para a diretoria da ANP) e ninguém lembrou disso. A gente tem de respeitar a decisão, procurar rearticular a base e avaliar a possibilidade de virar a votação. Mas faremos isso com serenidade, para que não tenhamos mais nenhuma surpresa.

¿ O que precisa ser feito para reverter as traições na base de apoio ao governo?

¿ Precisamos afinar a articulação com o PMDB. O governo começou a fazer isso não só no Senado, mas com outras lideranças, como o presidente Michel Temer. Sem falar no PL, no PTB, no PSB. A gente percebe, nitidamente, insatisfações.

¿ Por exemplo...

¿ No PTB, o senador Mozarildo Cavalcanti está muito magoado em função do desfecho da (homologação da reserva) Raposa Serra do Sol. Temos essa questão ligada a alguns senadores do PMDB, como o Valdir Raupp e o Alberto Silva (insatisfeitos com decisões do Ministério de Minas e Energia). É importante deixar claro que cabe à ministra Dilma dizer sim ou não, porque você tem de ter um nome com alguma musculatura técnica. Você tem um ministério onde o diretor não fica fritando bolinho. Se houve dificuldades, não começaram na Dilma.

¿ O que tem prioridade para ser votado no Senado este ano?

¿ A Agência Nacional de Aviação Civil. Você vê um quadro desesperador das companhias aéreas. O projeto das agências reguladoras quando vier da Câmara. O curioso é o seguinte: você tem uma regulamentação que, se já não foi feita, está sendo feita para o setor elétrico. Tem regulamentação em vigor no setor de petróleo e gás. Você monta essas alternativas de investimentos, mas fica com a espada de Dâmocles nas agências. Você pega qualquer investidor lá fora e diz: `Vamos investir no Brasil?¿ O cara responde: `Não, tem de esperar um pouco. Como ficarão as agências reguladoras?¿

¿ O Sr. está contra os juros?

¿ Primeiro, sou favorável à rediscussão dessas metas de inflação. Estamos apertando demais o país, com os juros subindo, e os resultados não são os esperados. É evidente que o governo criou outros mecanismos, e foi isso que passou na cabeça de Lula quando ele falou para procurar alternativas melhores.

¿ O senhor é favorável à autonomia do BC?

¿ A bancada do PT no Senado é quase unanimemente contra.

¿ A proposta do senador Ney Suassuna estão em tramitação...

¿ Esse assunto não devia ser discutido, porque existem posições muito duras com relação a isso. É muito difícil que esse projeto passe no Senado, e causará um desgaste extraordinário ao governo. É válido perguntar: o BC já não é autônomo?

¿ Lula anunciou 2005 como o ano da infra-estrutura. Os investimentos ainda não saíram do papel. Isso preocupa?

¿ Muito. A PPP resolve parte do problema, mas você tem outros instrumentos legais para garantir infra-estrutura. Tem a Lei de Concessões e os investimentos diretos do Estado. Estou preocupado porque trabalharíamos com R$ 6 bilhões no Ministério dos Transportes, para recuperação de rodovias, que não aconteceu.

¿ Por quê?

¿ Foi feito um contigenciamento do orçamento grande, de R$ 15 quinze bilhões, que impactou boa parte dos ministérios. O dos Transportes foi bastante prejudicado. Então, a situação das rodovias preocupa bastante. Espero que Lula anuncie nos próximos quinze dias uma solução para a Brasil Ferrovias, porque estamos cruzando estados importantes com ferrovias num estado deplorável.

¿ Há possibilidade de apagão nos portos (não darem conta da demanda)?

¿ Já se verifica isso em alguns portos. Não estou dizendo que é culpa do governo Lula. Nossa infra-estrutura rodoviária, ferroviária e portuária vem se degradando há anos. Precisamos fazer alguma coisa pelo país rapidamente, no sentido de pelo menos mitigar essa saturação que as nossas vias de escoamento estão sofrendo...

¿ O governo não está demorando a resolver os problemas?

¿ É uma questão complexa. O governo precisa azeitar melhor sua operação. Não estou dizendo que é generalizado, mas há problemas de gestão em algumas aéreas.

¿ O problema ocorre também no social?

¿ Também. Algumas aéreas do governo têm dificuldades de gestão. E é isso que atrasa a implementação daqueles projetos que Lula tem cobrado.

¿ Os resultados econômicos são bons, mas não são revestidos de forma clara em infra-estrutura e no social. Isso não preocupa em termos eleitorais?

¿ Nem entro no mérito de 2006. Existem compromissos que assumimos quando Lula se elegeu que temos, mais do que nunca, de concretizá-los. Minha preocupação maior é essa, credibilidade. Temos vários instrumentos que estão aparecendo. O novo modelo do setor elétrico, o biodiesel, o microcrédito, a PPP, a nova Lei de Falências, a reforma do Judiciário..

¿ Em 2006, quem tem mais chances: os integrantes do governo anterior, do qual o senhor foi parte, ou do atual?

¿ O presidente Lula tem todas as condições de se reeleger. Agora, não pode é patinar. Não pode deixar que a política comece a contaminar o resto. A situação é absolutamente administrável a despeito das dificuldades que enfrentamos e dos erros que cometemos. Temos tudo para reeleger o presidente Lula.