Título: A arte de fraudar licitações
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 01/05/2005, País, p. A7

Irregularidades em licitações é o tema campeão nas investigações pela Controladoria-Geral da União (CGU) país afora. É quando gestores dos rincões do Brasil, menos afeitos aos rigores da lei, aproveitam para exercitar a criatividade da malandragem, segundo palavras do próprio subcontrolador da União, Jorge Hage.

- A criatividade para driblar os processos licitatórios transcendem o que a nossa vã imaginação possa alcançar - diz.

O modus operandi da burla à licitação, de tão diverso e renovável, chega a ser invisível a olho nu. Uma verificação mais atenta, no entanto, permitiu que a CGU identificasse casos esdrúxulos como o do município de Sabáudia, cidade do interior do Paraná. Praticada pela prefeitura, a fraude ficou evidenciada ao se constatar que o edital de licitação para compra de medicamentos havia sido publicado em apenas um exemplar do jornal Gazeta da Cidade. Nos exemplares que circularam na região, no lugar do edital, foram publicadas reportagens. Dessa forma, apenas a empresa que interessava à prefeitura participou do certame.

A licitação no valor de R$ 96 mil foi vencida pela empresa NKS Comércio de Medicamentos e Materiais Médicos Ltda. A CGU apurou que, além da fraude com o uso do jornal, a NKS, vencedora da licitação, era uma empresa fantasma. A prefeitura também não comprovou se os medicamentos foram efetivamente recebidos e distribuídos para a população. A empresa não foi localizada no endereço indicado no Contrato Social e os dois supostos proprietários disseram desconhecer a existência da companhia. Confirmaram, no entanto, ter assinado papéis em branco em troca de promessas de emprego, que jamais foram cumpridas. A denúncia foi parar na CGU depois de investigação do Ministério Público Estadual.

Fruto de uma inabilidade quase pueril de subordinados do prefeito do município de Juazeiro do Norte (CE), Raimundo Macêdo (PSDB), a licitação para contratação da publicidade institucional da prefeitura também está sendo alvo de investigação pelo Ministério Público Estadual e pode parar na CGU por falhas grosseiras no edital de concorrência.

O problema é que, se observar à risca as diretrizes do edital de licitação, a empresa servirá ao governo igualmente tucano do Estado do Ceará e não ao município.

Motivo: o responsável pela elaboração do edital simplesmente reproduziu o modelo de licitação para contratação da publicidade institucional adotado pelo governo do estado sem modificar o nome da instituição contratada. Dessa forma, todos os argumentos que justificariam a contratação de uma agência para prestar serviços de publicidade institucional remetem ao governo do estado.

Questionado sobre o assunto, o secretário de administração do município, Sávio Pereira, foi contraditório.

- Isso que você recebeu não é oficial. Fizeram uma montagem para nos prejudicar. Mas de fato usamos o modelo de um edital do governo do estado - reconheceu Sávio.

Na página 28 do edital, que leva o brasão do município, ao qual o Jornal do Brasil teve acesso, o tópico ''Papel Estratégico da Comunicação'' que, em tese, deveria ser da prefeitura de Juazeiro do Norte, inicia-se dizendo ''Os esforços de comunicação do Governo do Estado do Ceará estarão voltados, prioritariamente, a estabelecer a inclusão social''.

Na página 31, o item ''Informações de ordem geral'' traz um erro ainda mais grosseiro. Diz que o ''conceito que assinará as ações de publicidade do Governo do Estado do Ceará'' é o mote ''Trabalhando para melhorar a vida dos Cearenses''.

Não bastassem as falhas no edital, há suspeitas de que a licitação pode ser dirigida. É que a única empresa inscrita até a última semana era a Síntese Comunicação e Publicidade, a mesma que fez a campanha do então candidato a prefeito ano passado.