Título: A última vez de Tony Blair
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 01/05/2005, Internacional, p. A8

Na quinta-feira, 659 novos nomes serão escolhidos para ocupar as cadeiras do histórico Parlamento que desde a Revolução Gloriosa de 1688 controla a política britânica. Mais do que pelo favoritismo do Partido Trabalhista, que ruma à terceira vitória consecutiva sob o comando de Tony Blair, as eleições de 5 de maio, na Grã-Bretanha, serão marcadas por uma interrogação: o que vem depois?

Depois de dois mandatos, o primeiro-ministro já avisou, esta é a última eleição que disputa. Há dúvidas inclusive se Blair, caso os trabalhistas confirmem o favoritismo, vai mesmo completar o terceiro mandato, de quatro anos, ou se vai renunciar provavelmente em prol do atual chanceler Gordon Brown.

De fato, o Partido Trabalhista lidera todas as pesquisas de opinião na Grã-Bretanha, variando de 10 a 7 p.p. de vantagem sobre os conservadores de Michael Howard, que são seguidos pelos liberais-democratas de Charles Kennedy, contentes com expressivos 25% - a melhor posição desde 1929.

No entanto, os trabalhistas sabem que não é hora de festa. Depois de reorganizar o partido para a volta ao poder depois de 11 anos de Margaret Thatcher e 7 anos de John Major - 18 anos de governo conservador -, Blair não é mais o mesmo.

Em uma pesquisa recente publicada pelo Daily Telegraph, 53% dos entrevistados se mostraram desapontados (34%) ou muito desapontados (19%) com Blair nos quesitos honestidade e confiança. Dois terços afirmaram ainda que Londres errou ao se meter na guerra contra Saddam Hussein. A mesma proporção demonstrou sentimentos anti-Blair, desconfiados da ''prática de ludibriar o povo que envolve o atual governo''.

- A grande pergunta agora é: o que teremos pela frente? - afirmou, ao JB, o analista da Fabian Society, uma organização civil que acompanha a política britânica. - Blair trouxe o trabalhismo de volta ao poder. Reorganizou o partido. No entanto, se os conservadores perderem a terceira eleição consecutiva, o mais natural é que os Tories comecem a se perguntar seriamente o que está acontecendo, por que estão perdendo. E assim, mais tarde, podem voltar à batalha renovados. Exatamente como ocorreu com os trabalhistas, há pouco mais de uma década.

Uma opção do que vem ''pela frente'' é mais um mandato Blair, no qual o primeiro-ministro certamente estará preocupado em deixar um legado positivo, quem sabe histórico, cuidando principalmente de assuntos internos como o Sistema Nacional de Saúde, uma invenção trabalhista do governo Attlee (1945-1951) e que hoje é alvo de muitas críticas, como as que apontam a longa espera que um cidadão britânico tem de percorrer antes de ser atendido.

Blair deverá dar continuidade à plataforma do Partido nascido na virada do século 19 para o 20, fruto da industrialização e urbanização britânica recente, que procura desde os primórdios diminuir a influência da nobreza na vida política do país. É daí que se originam, por exemplo, os ataques à hereditariedade da Câmara dos Lordes e mesmo à tradicional caça à raposa.

- Em termos domésticos, a política de Tony Blair é a que pressiona por mudanças radicais, como a reforma que conduziu na Câmara dos Lordes ou a autonomia que concedeu à Escócia e ao País de Gales, criando o Parlamento escocês e a Assembléia galesa - disse John Craig, analista da Demos, outra organização que acompanha, em Londres, a política britânica.

No entanto, Blair pode não ter mais tempo ou disposição para virar o jogo da baixa popularidade e, assim, dar vez a Gordon Brown. O popular chanceler é diferente do primeiro-ministro. É tido como ''mais trabalhista'' e é visto com mais simpatia no partido. É mais desconfiado das soluções de mercado associadas com a direita britânica e tem menos carisma, circulando com mais dificuldade no espectro de posições da política em Londres. É um apaixonado orador do papel do país no combate à pobreza e às injustiças globais e defende o multilateralismo e a importância da ONU.

Para os conservadores, a esperança é o crescimento dos liberais-democratas, os únicos que se opuseram à guerra no Iraque. Charles Kennedy, hoje, retira votos de trabalhistas desiludidos. No entanto, para os Tories, mais importante será adaptar o partido a uma nova sociedade multiétnica, integrada ao mercado internacional, onde o eleitorado das áreas rurais, da Igreja Anglicana e dos valores da antiga Inglaterra não fazem mais tanta diferença.

A falta de clareza sobre o futuro da política britânica pode estar determinando uma expressiva apatia política. É esperado o menor índice de participação do século.