Título: ¿Tem gente que não conseguimos alcançar¿
Autor: Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 01/05/2005, Brasília, p. D1

A indignação de um empresário, que se recusou a ser chantageado, aliada a modernos equipamentos de investigação criminal levaram a Polícia Civil do DF, apoiada pelo Ministério Público do DF, a desbaratar uma das maiores quadrilhas instalada dentro governo. Muito próxima ao cofre. Quinta-feira última, foram presas 13 pessoas, das quais seis - auditores e fiscais - eram funcionários de carreira da Secretaria de Fazenda. O restante era advogados e contadores. Na mira da Operação Tentáculo ainda estão empresários e outros profissionais liberais que começam a ser alcançados pela Polícia Civil. Sexta-feira última, um dia depois das primeiras prisões, o promotor de Defesa da Ordem Tributária do Ministério Público, Rubin Lemos, conversou com o Jornal do Brasil e contou como foram os primeiros passos dessa investigação, uma das mais complexas na história do DF, envolvendo 17 delegados e 124 agentes da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil. Da caneta de Rubin Lemos partiram os primeiros pedidos à Justiça para que os dois principais suspeitos do esquema desbaratado pela Operação Tentáculo, Sônia Maria de Andrade Santos e Sami Kuperchmit, tivessem seus telefones grampeados com autorização judicial. Crescia, então, o número de envolvidos e a complexidade do aparato montado para extorquir empresários. ¿O Ministério Público acompanhou o processo e, no culminar dos pedidos de prisão, mandados de busca e apreensão, escutas telefônicas e quebras de sigilo, nós demos o parecer favorável¿. - Como que as denúncias do esquema de extorsão realizado pelos auditores da Receita Tributária do DF chegou ao conhecimento do Ministério Público?

- Fomos informados da cooptação dentro da Secretaria de Fazenda. Houve um fato envolvendo um empresário em que auditores lhe tentaram extorquir dinheiro, fazendo uma autuação tributária que, depois de ter sido reanalisada, não haveria motivos para que fosse feita. O empresário ficou indignado, foi à secretaria, contou a situação e, assim, começou a apuração dos crimes. As declarações foram levadas ao delegado e deu-se início à investigação.

- Normalmente, essas denúncias teriam passado ou pelo corregedor da Fazenda ou pelo Tribunal Administrativa de Recursos Fiscais. Por que dessa vez, a denúncia foi encaminhada diretamente à polícia?

- Essa pergunta deveria ser feita à Secretaria de Fazenda. Mas eu entendo que já haviam suspeitas recaindo sobre os auditores fiscais. O Ministério Público acompanhou o processo, e no culminar dos pedidos de prisão, mandados de busca e apreensão, escutas telefônicas e quebras de sigilo, nós demos o parecer favorável.

- Que tipo de indícios foram encontrados que contribuíram para a assinatura desses pareceres?

- O primeiro indício foram os esclarecimentos prestados pelo empresário que seria achacado. Depois, houve mais uma testemunha que depôs para o MP e para a Polícia. Em função dessas denúncias, fez-se a quebra dos sigilos telefônicos dos suspeitos (Sônia e Sami). A partir das escutas foram surgindo provas contra outras pessoas. E, obviamente, as provas não se esgotaram. Tem gente que, ainda dessa vez, nós não conseguimos alcançar. No início, eram duas pessoas suspeitas, o negócio foi crescendo, foram criando ramificações e, na quinta-feira, foram presas 13 pessoas.

- As apreensões de documentos contribuíram para aumentar as suspeitas?

- Temos muitos indícios sobre os 13 e com as apreensões ficou mais óbvio ainda o envolvimento deles. São pessoas que têm baixos salários e patrimônios estratosféricos.

- Quem, por exemplo?

- Todas elas. O salário do presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (Tarf), que é um fiscal, é menos de R$ 5 mil (preso com R$ 29.950), para ter um padrão de vida e o patrimônio que essas pessoas têm é complicado. Moram em mansões, apartamentos luxuosos, empresas, várias contas bancárias. Como que uma pessoa que ganha menos de R$ 5 mil, como o Jaime, vai ter cinco contas bancárias. Não sei se estão ativas ou não, mas nós encontramos cinco.

- Tem se comentado bastante que, entre as empresas envolvidas, estão algumas de renome no DF. Como que era a participação delas no esquema?

- Nesse momento ainda não posso divulgar o nome das empresas porque os mandados de busca e apreensão ainda estão sendo cumpridos pela polícia. Posso apenas dizer alguns ramos em que atuavam, como o de cereais e o de informática. Há pelo menos dez empresas que deverão ser indiciadas por crime de corrupção passiva.

- Quanto às multas e infrações que deveriam ter sido pagas aos cofres do DF. É possível que o prejuízo supere os R$ 50 milhões?

- Pode ser até mais. Pode ser até R$ 60 milhões, vai depender das análises. Houve uma única autuação em que o valor chegava a R$ 450 mil. Era o valor da autuação de uma empresa que estava sendo negociado no esquema de corrupção. Esse valor seria negociado para ser reduzido ou eliminado mediante pagamento de propina. Isso é para se ter uma noção de valores e, obviamente, não são pequenos.

- Que tipo de infração tributária, por exemplo, poderia render ao empresário uma multa de R$ 450 mil, como essa que o senhor mencionou?

Evasão fiscal, por exemplo. Nesse caso específico, a empresa havia perdido um benefício do TARE [Termos de Acordo de Regimes Especiais - sistema de tributos diferenciados para o comércio atacadista]e teria que pagar para os cofres públicos todos os valores que deixou de pagar por cerca de dois anos. O alvo deles eram sempre sonegadores, ou devedores do Fisco, porque a negociação ficava mais fácil. A idéia era negociar com as empresas como elas podiam ficar ''menos erradas''.

- A desbaratamento da quadrilha, então, trouxe à tona casos de sonegação fiscal que até então ainda não haviam sido levantados?

- Nesse caso específico não. Mas há outros casos que são ocorrências de sonegação fiscal. É certo que todas elas infringiram normas tributárias e já estavam erradas perante o Fisco. Tornavam-se, assim, alvos fáceis. Na maioria das vezes, o próprio auditor que fazia a autuação da empresa também fazia a defesa do autuado.

- Isso é permitido dentro das normas da auditoria tributária?

- Obviamente que não. Isso é crime. No linguajar público, isso se chama advocacia administrativa. É uma área muito sensível porque o tributo que deixa de ser pago ao erário público não é um tributo que vai para a Fazenda e morre ali. Deixa-se, na verdade, de se mandar dinheiro para as classes mais pobres da sociedade porque são recursos destinados à educação, saúde, saneamento básico ... Isso é muito mais profundo do que a apropriação indébita do dinheiro de um particular. É um crime organizado praticado por funcionários do governo que deveriam estar ali cuidar do erário público mas estavam ali usando seu cargos para cometerem ilicitudes contra a sociedade

- De qualquer forma, os acusados teriam acumulado bens e riquezas com dinheiro público. O que o Ministério Público pode fazer para recuperar o patrimônio, mesmo que não esteja registrado no nome dos indiciados?

- Todo o patrimônio que foi encontrado e que tenha indícios de ter sido adquirido com a prática dos crimes - não só pelos crimes praticados dentro da quadrilha, mas também por todos que tenham sido cometidos contra a fé pública, o patrimônio público, a ordem tributária - todos eles serão vinculados às atitudes ilícitas e podem ser seqüestrados. Para mim, trata-se de um crime organizado praticado aqui, o que é uma coisa inédita e que nós conseguimos encontrar. Espero que tenha punição exemplar no caso e é o que nós vamos pedir para todos eles. Obviamente, há mais pessoas envolvidas e que as investigações vão continuar, mesmo no âmbito da administração pública. Esses funcionários serão exonerados e, talvez também, vão perder parte do patrimônio adquirido com a ilicitude. Há várias maneira de se reverter tudo isso ao patrimônio público.