Título: Imposto pesa mais sobre tarifas públicas
Autor: Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 01/05/2005, Economia, p. A19

A elevação da carga tributária nos últimos dez anos ocorreu de forma desigual. Estudo da área de Assessoria Tributária da consultoria KPMG, feito a pedido do Jornal do Brasil, mostra que a voracidade fiscal foi mais forte sobre produtos e serviços que têm preços administrados pelo governo (tarifas públicas) do que sobre aqueles que obedecem à lei da oferta e da procura. Desde 1995, a carga tributária dos preços administrados subiu, em média, 51,3%. Já os impostos sobre os preços livres tiveram um avanço de apenas 8,98% no período.

O levantamento focalizou a variação da carga tributária incidente sobre os 20 produtos de maior peso na cesta que compõe o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que norteia as metas de inflação defendidas pelo Banco Central). Foram verificadas as variações de alíquotas dos principais impostos indiretos, utilizando a tributação em vigor no Estado de São Paulo, o maior mercado consumidor e produtor do país.

Dos 20 itens de maior peso no IPCA, sete têm reajustes aprovados pelo governo: ônibus urbanos, energia elétrica, gasolina, telefone fixo, planos de saúde, água e esgoto e gás de cozinha. Os outros - remédios, colégio, aluguel, automóvel novo, empregado doméstico, carne, refeição, automóvel usado, condomínio, eletrodoméstico, conserto de automóvel, pão francês e leite pasteurizado - têm os preços flutuando ao sabor do mercado.

- A tributação sobre os preços administrados é alta e extorsiva. É realmente mais fácil arrecadar desses setores, já que são produtos com preços menos elásticos. O consumidor não tem opção para escapar da alta provocada pelo governo. Mas é uma política que, se, no curto prazo, eleva a arrecadação, no médio e longo é questionável. Os administrados servem de insumos na cadeia dos outros produtos, alastrando o efeito da alta da tributação - alerta o economista Carlos Thadeu Filho, do grupo de Conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A maior elevação ocorreu na tributação do serviço de água e esgoto: em dez anos, a carga passou de 2,9% para 9,63% (alta de 232%), puxada principalmente pela elevação do PIS de 0,65% para 1,65% e da Cofins de 2% para 7,6%. Em segundo lugar, veio a gasolina, com elevação de 33,2% para 54,62% - variação de 64,2%, determinada, principalmente, pela Cofins, cuja incidência sobre o produto passou de 6% para 23,44% no período. O combustível tem a maior carga tributária entre os 20 produtos pesquisados. Dos preços administrados, o único cuja carga tributária caiu foi o de gás de cozinha, passando de 20,2% para 19,68% - redução de 2,6%.

Já entre os produtos com preços livres, a maior alta foi verificada no aluguel: 52%, exclusivamente pela variação de CPMF, que passou de 0,25% para 0,38%. Os eletrodomésticos, com 42,63% de carga, são os de maior tributação no segmento livre, mas tiveram uma variação na carga de apenas 3,4% em dez anos. No segmento, a maior queda de tributos ocorreu no leite pasteurizado, de 15,2% para 7,38% (-51,2%).

Há dez anos a carga tributária média dos administrados era de 17,8%, contra 19,38% dos livres. Com a mão pesada do governo sobre os produtos de preços controlados, contudo, a relação se inverteu. Hoje, a carga sobre os administrados é de 23,23%, contra 19,9% dos livres. Na cesta dos 20 produtos, a tributação total, levando-se em consideração os pesos de cada item, passou de 17,2% para 20%.

Gilberto Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), afirma que o mecanismo de elevar a arrecadação através dos produtos administrados é uma opção tanto dos governos estaduais quanto do federal.

- Há uma preferência em elevar a carga dos administrados porque são itens que proporcionam uma maior facilidade de se fiscalizar a arrecadação. Energia elétrica, combustíveis e telecomunicações respondem por 42% da arrecadação de ICMS.

Segundo ele, a opção traz conseqüências para o próprio governo.

- Como são produtos de peso elevado na cesta que compõe o IPCA, os administrados, ao terem imposto maior, influenciam a inflação, ainda que de forma pequena. Assim, o governo acaba recorrendo à alta de juros para contê-la, elevando sua própria dívida.

- A elevação tributária não chega a ser a principal causa da pressão dos administrados sobre a inflação, mas podemos dizer que haveria uma contribuição para a queda do índice caso houvesse uma redução da carga tributária sobre esses produtos - finaliza Carlos Thadeu Filho.