Título: Voto aberto
Autor: Carlos Minc*
Fonte: Jornal do Brasil, 04/05/2005, Outras Opiniões, p. A13

A cidadania ficou indignada com a absolvição do deputado Alessandro Calazans no processo por quebra de decoro parlamentar na Alerj. Por várias razões: primeiro pelo voto secreto de seus representantes, contrariando a transparência assegurada na Constituição Estadual; depois pelo placar de 37 votos contrários à cassação e 25 favoráveis, onde a impunidade foi impulsionada pela opacidade do processo secreto. Os poucos parlamentares que declaram ter votado contra a punição afirmaram que não votam contra deputado, manifestando um corporativismo que solapa a representatividade dos parlamentos. Perguntamos: como o parlamento pode cobrar da população e das autoridades o cumprimento de leis contra a poluição, a sonegação e a criminalidade se seus membros não mostram a cara quando um parlamentar é julgado por conduta imprópria no exercício da função, comprovada no relatório elaborado pelo deputado Noel de Carvalho e aprovado por seis votos a um na Comissão de Constituição e Justiça?

A bancada do PT na Alerj tentou de todas as formas que o processo de votação fosse aberto, mas fomos derrotados. Fechamos questão a favor da cassação e declaramos voto, mas o corporativismo triunfou. Votos foram conquistados com o argumento indigno de que ''hoje é ele, amanhã pode ser você''. Poderíamos apenas dizer que lutamos, perdemos e pronto, a vida continua. Mas não nos conformamos e decidimos atuar em três direções complementares, visando reverter o processo, que no nosso entender cava um abismo profundo entre o parlamento e o povo.

A primeira foi municiar o Ministério Público estadual com ampla documentação sobre o caso, laudos das gravações, depoimentos. Com base neste material o promotor Cláudio Henrique da Cruz Viana, da 2ª Promotoria de Justiça e Cidadania, ajuizou uma ação de improbidade administrativa contra o deputado Alessandro Calazans, que no limite pode levar à cassação de seu mandato. A segunda frente foi no Tribunal de Justiça do Rio, onde a bancada ajuizou um mandato de segurança para anular a eleição secreta e promover outra, aberta. O argumento que torna a bancada parte, com direito ofendido pelo ato, é que nos foi vedado o direito constitucional de, como representantes, promovermos a transparência de nossos procedimentos e votos aos eleitores, os reais donos dos mandatos.

A terceira frente é a consulta popular, com urnas em praças públicas, onde os cidadãos possam se manifestar, sufragando seus votos em duas questões: se a votação para perda de mandato deve ser aberta ou secreta, e se o deputado Calazans deveria ter, ou não, seu mandato cassado. Estamos confiantes de que este processo pode e deve ser revertido. Não há nada pessoal contra o deputado, estamos defendendo o parlamento, por quem muitos deram suas vidas para que pudesse atuar de forma democrática, sem tirania ditatorial. Defendemos com vigor o novo Código de Ética, que está sendo votado na Alerj. Mas ele não garante automaticamente o predomínio da ética. Há uma série de posturas regimentais e constitucionais em vigor, que foram contrariadas com esta impunidade secreta, que representou uma bofetada na face da opinião pública.

Esperamos que deputados federais e senadores aprovem rapidamente o dispositivo que garanta voto aberto dos representantes, para que seus eleitores saibam sempre como estes se comportam.

*Carlos Minc é presidente da Comissão para o cumprimento das leis da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro