O Estado de São Paulo, n. 46735, 01/10/2021. Política p.A6

 

PF revista empresa de investigado na CPI da Covid


Buscas não têm relação com apuração feita por senadores; mandados foram expedidos com base em delações

 

Rayssa Motta

Fausto Macedo

 

Investigada na CPI da Covid, a Global Gestão em Saúde foi ontem alvo de buscas da Polícia Federal. A ofensiva, batizada de Operação Acurácia, não foi, porém, requerida pela comissão. É resultado de longa investigação da PF, iniciada em São Paulo com a Operação Descarte, que chegou à sua décima quarta etapa, voltada para apurar suposto esquema de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção em contratos com estatais. Advogados da empresa afirmaram não haver elemento que justificasse a ação policial.

A Global pertence ao mesmo grupo e acionista da Precisa Medicamentos, o empresário Francisco Maximiano. Ele prestou depoimento à CPI da Covid no mês passado, respaldado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, pôde se recusar a responder à maioria das perguntas. A Precisa é investigada pelo colegiado. Os senadores querem esclarecer o seu papel na intermediação da tentativa de compra da vacina indiana Covaxin.

Cerca de 50 policiais federais e servidores da Receita Federal cumpriram oito mandados de busca e apreensão na Grande São Paulo e na cidade de Passos (MG). As ordens judiciais foram expedidas pela 2.ª Vara Criminal Federal de São Paulo.

"A PF verificou que o grupo investigado simulou várias operações comerciais e financeiras inexistentes com a finalidade de desviar dinheiro de empresas que atuam na área de medicamentos para empresas de fachada", explica a Polícia Federal em nota sobre a investigação.

A Operação Acurácia foi desencadeada a partir das informações de dois delatores. Os advogados Luiz Carlos da Fonseca Claro e Gabriel Silveira da Fonseca Claro, pai e filho, em delação premiada, revelaram como teriam usado seu escritório de advocacia e empresas da família para lavar dinheiro para a Global. Foram "limpos", por meio dos advogados, R$ 6,4 milhões com notas frias.

Descontada uma 'comissão', o dinheiro teria voltado em espécie para a empresa pagar propina a políticos. Também cobriu despesas com uma empresa de táxi aéreo, segundo os delatores. Os Claro disseram que as entregas do dinheiro a intermediários da Global aconteceram em seu escritório de advocacia e no Hotel Emiliano.

O MPF suspeita que o dinheiro das fraudes nos contratos tenha sido usado para subornos em contratos públicos com a Petrobras, Correios e Ministério da Saúde. Os envolvidos poderão responder pelos crimes de associação criminosa, corrupção ativa e passiva, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e operação de instituição financeira sem autorização.

A Global também é investigada pelo Ministério Público Federal por um contrato de quase R$ 20 milhões, para venda de remédios contra doenças raras, com o Ministério da Saúde em 2017. A pasta chefiada na época pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo Bolsonaro na Câmara, fez o pagamento antecipado. Nunca recebeu os medicamentos.

Defesa. Os advogados da Global Gestão criticaram a ação da PF. "Chega a ser surreal repetir a mesma busca e apreensão pela terceira vez em treze dias, dessa vez para ir atrás de documentos sobre o que delatores disseram que teria acontecido sete anos atrás", escreveram Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, advogados de Francisco Maximiano e da Global Saúde.

"Não há qualquer contemporaneidade ou qualquer elemento mínimo para justificar essa operação. O que há, sim, é um oportunismo, graças ao retorno da pirotecnia em torno das operações policiais que, em tempos racionais, jamais seriam deferidas pelo Poder Judiciário, ante a manifesta ausência de fundamentação."

 

Notas frias

R$ 6,4 mi

teriam sido 'lavados' em um escritório de advocacia e empresas a pedido da Global, segundo a Operação Acurácia.