O Estado de São Paulo, n. 46736, 02/10/2021. Política p.A4

 

Oposição usa inflação alta para tentar fortalecer atos

 

Mudança de estratégia busca ampliar mobilização pelo impeachment de Jair Bolsonaro; siglas de esquerda devem protagonizar manifestações hoje pelo País


Caio Sartori

Tulio Kruse

Depois da pandemia e dos atos antidemocráticos em protestos anteriores, os 9 partidos que organizaram os atos de hoje contra Jair Bolsonaro apostam nas críticas ao desemprego e à inflação.

Enquanto os últimos atos da oposição contra o presidente Jair Bolsonaro tiveram como foco críticas ao negacionismo em relação à pandemia e os ataques à democracia, desta vez organizadores apostam em temas como a disparada da inflação e o desemprego como fatores de motivação para que as pessoas saiam às ruas contra o governo. O País voltou a ter inflação na casa dos dois dígitos, há 14 milhões na fila do desemprego e um em cada quatro brasileiros enfrenta algum grau de fome.

Os protestos de hoje foram articulados por nove partidos – PT, PSOL, PCDOB, PDT, PSB, Rede, PV, Cidadania e Solidariedade – e pelo movimento Direitos Já!. Estão previstos atos em 305 cidades de todos os Estados e do Distrito Federal, além de 18 países. Os maiores são esperados em São Paulo e no Rio.

"As manifestações de amanhã (hoje) têm uma centralidade que é, além do impeachment, o combate aos problemas do País: desemprego, fome. Esses temas, que não estavam na manifestação do (Movimento Brasil Livre) MBL (no dia 12 de setembro), terão muito peso", disse o deputado José Guimarães (PT-CE). O protesto organizado pelo MBL e pelo Vem Pra Rua, grupos de direita, com foco na defesa da democracia, teve baixa adesão.

Nas últimas semanas, o Movimento dos Trabalhadores Sem-teto já usou a inflação alta e o aumento da fome para protestar em frente à casa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-rj), em Brasília, e na ocupação da Bolsa de Valores de São Paulo. Nos dois casos, ativistas levaram ossos bovinos em referência à alta dos preços dos alimentos, que tem tornado o produto inacessível a muitas famílias. Há dois dias, uma foto do jornal Extra de um caminhão com ossos e restos de carne sendo distribuídos a moradores do Rio viralizou.

"O grande problema hoje no Brasil, com a vacinação avançando, apesar do Bolsonaro, é a crise econômica e social. O brasileiro está comendo osso, literalmente", afirmou o vice-presidente do PT, Washington Quaquá.

Dos principais nomes da chamada terceira via, apenas Ciro Gomes (PDT) confirmou presença. João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Alessandro Vieira (Cidadania), Sérgio Moro e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) não devem comparecer. Assim, os partidos de esquerda e centro-esquerda devem protagonizar os atos de hoje. Porém, sem sua maior estrela, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas eleitorais. O petista também deve ficar de fora.

Divisão. O motivo das ausências é a divergência sobre a defesa do impeachment de Bolsonaro. A falta de engajamento de alas do PT é motivo de críticas de grupos de oposição, à esquerda e à direita. Líderes do Novo, do MBL e do Vem Pra Rua – rivais dos petistas – acusam o partido de não estar interessado na deposição de Bolsonaro a um ano das eleições, pois aposta que será mais fácil derrotar um presidente fraco nas urnas.

Respaldado pelo apoio do Centrão, Bolsonaro, hoje, dificilmente teria um pedido de impeachment aprovado. Mas, na avaliação dos organizadores dos atos, se os protestos forem expressivos, essa blindagem pode começar a se romper ou, pelo menos, reduzir suas chances políticas de reeleição. Existe também o interesse em "responder" aos atos convocados pelo presidente no 7 de Setembro e colocar mais gente na rua do que conseguiu Bolsonaro.

Apesar das ausências da terceira via, os organizadores das manifestações ainda se mobilizam para conseguir o maior número possível de políticos e representantes de partidos de centro. As centrais sindicais aprovaram, inclusive, decisão no sentido de ampliar o palanque para outros campos políticos. "As centrais sindicais apoiam a ampliação da diversidade de atores nas ruas pois entendem que nada é mais urgente do que impedir que Bolsonaro continue o seu desgoverno criminoso", diz a nota das entidades.

"Para derrubar Bolsonaro é preciso ir além do nosso campo, pois precisamos de 342 votos na Câmara dos Deputados para aprovar o impeachment. Não é questão de ideologia, mas, sim, de matemática. Neste momento, um dos mais graves da nossa história, é necessário focar no que nos une, e não no que nos separa", afirma o texto divulgado pelas centrais.

Pressão. Os sindicatos também querem que a força dos protestos de hoje sirva para pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), aliado de Bolsonaro, para que coloque em pauta algum dos 131 pedidos de impeachment que estão em sua gaveta.

O atual presidente é o que acumula o maior número de denúncias em menos de três anos de mandato, e o Congresso já discute uma forma de tirar de Lira o poder de decidir sozinho sobre a abertura do processo de cassação. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, pretende incluir em seu parecer final uma proposta que submeta ao plenário da Câmara a decisão de iniciar o impeachment.

Principal líder da Força Sindical, o deputado Paulinho da Força (SP) também espera que o movimento ajude no processo de impeachment de Bolsonaro. "Dia 2 de outubro é a união do Brasil contra esse desgoverno do Bolsonaro. Vamos para as ruas, mostrar que o povo brasileiro defende a democracia e não aguenta mais viver em um país com a gasolina a R$ 7 e gás de cozinha a R$ 120", defendeu o parlamentar.

"Vamos para as ruas, mostrar que o povo brasileiro defende a democracia e não aguenta mais viver com a gasolina a R$ 7 e gás de cozinha a R$ 120." Paulinho da Força (Solidariedade-sp)