O Globo, n. 32797, 24/05/2023. Opinião, p. 3

Alíquota única é a melhor saída

Maílson da Nóbrega


A reforma tributária sob exame da Câmara (PECs 45 e 110) poderá, caso aprovada, promover simplificação radical. Cinco tributos — IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS — serão substituídos por uma única incidência, calculada sobre o valor agregado (IVA), método adotado por 174 países.

As propostas em estudo se inspiraram nos melhores IVAs do mundo. O país poderá ser beneficiado por um sistema de tributação do consumo moderno, que não interfere nas decisões de produzir e consumir. Duas características básicas serão: regras uniformes em todo o território nacional e alíquota única. Ambas estão ausentes no atual sistema tributário, cheio de regimes especiais, multiplicidade de alíquotas e regras desiguais.

O sistema brasileiro tornou-se distorcivo e caótico com a Constituição de 1988 e emendas posteriores. Metade da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI foi transferida em favor de estados, municípios e fundos regionais de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os estados passaram a deter o poder de decidir sobre regimes, alíquotas e hipóteses de incidência do ICMS.

Para livrar-se da partilha excessiva daqueles dois impostos, a União recorreu a tributos que lhe pertencem integralmente, como PIS, Cofins e Cide, usualmente em cascata, que distorcem muito. No caso do ICMS, criou-se uma barafunda de 27 regimes distintos do imposto, que muda 70 vezes por semana em todo o território nacional. A tributação do consumo virou um manicômio e fonte de enorme contencioso.

A formulação dessas propostas aproveitou a experiência de IVAs mais recentes, como os da Nova Zelândia e da Austrália, que adotam a alíquota única. Os mais antigos, basicamente os europeus, têm entre uma e cinco alíquotas, abrangendo produtos consumidos pelos segmentos mais pobres ou por setores como agricultura, educação e saúde.

Essa multiplicidade de alíquotas gerou distorções. A menor alíquota para educação e saúde beneficia basicamente os 20% mais ricos. A redução em favor dos pobres aumentou a margem de lucro das empresas. A União Europeia tentou adotar alíquota única, mas não conseguiu. Foi derrotada pelos lobbies beneficiados pelo tratamento favorecido. Erros de formulação inicial são difíceis de corrigir.

Essa situação está ocorrendo no Brasil. Por razões históricas, serviços privados como educação, saúde e lazer — consumidos essencialmente pelas classes abastadas — pagam ISS à alíquota de 5%. Os pobres, cuja renda é em grande parte usada para consumir itens básicos da alimentação, pagam ICMS de 18%. É um escândalo, mas busca-se manter o privilégio.

A agricultura resiste ao projeto alegando que o setor sofrerá aumento de tributação. Estudos mostram que ela se beneficiará da reforma, seja porque poderá aproveitar o crédito gerado nas etapas de produção e comercialização, seja porque haverá desoneração integral do imposto nas exportações e nos investimentos. Sem qualquer base, alarmistas falam que o setor sofrerá aumento de 300% na tributação.

As pressões contrárias à reforma têm encontrado eco no Congresso. Há negociações para criar cinco alíquotas. Para o presidente da Câmara, a reforma não passará “se não houver tratamento individualizado para setores que produzem riqueza e geram empregos, como varejo, educação, saúde e agronegócio”. Ocorre que a riqueza é gerada em todos os setores, e não apenas em alguns. Parlamentares citam exemplos da Europa para justificar alíquotas múltiplas, mas na verdade se baseiam nos piores casos.