O Globo, n. 32797, 24/05/2023. Economia, p. 13

Câmara aprova texto-base

Manoel Ventura
Victoria Abel


Após um dia de intensas negociações, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 372 votos a favor e 108 contra, o texto base do novo marco para as contas públicas, que vai substituir o teto de gastos na definição das regras para o crescimento das despesas federais. A proposta segue agora para o Senado.

O novo marco fiscal foi levado a plenário depois de o relator do projeto, deputado Cláudio Cajado (PP-AL), alterar três pontos sensíveis que vinham gerando críticas, especialmente de parlamentares do chamado Centrão: aumento de despesas em 2024, Fundeb (fundo de educação básica) dentro da regra e formas de contingenciamento em caso de descumprimento das metas.

Primeiro, o relator mudou um dispositivo que estabelecia um aumento real de 2,5% nas despesas de 2024. Esse é o limite máximo para a alta de gastos acima da inflação prevista na regra fiscal do governo. Junto com uma mudança no cálculo da inflação, essa medida poderia ampliar despesas em R$ 80 bilhões no ano que vem, segundo cálculos de economistas do mercado financeiro, o que vinha sendo contestado pelo relator e pelo governo. Ambos estimam que as despesas aumentariam de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões em relação ao projeto do governo.

A mudança feita agora é para atrelar esse gasto a uma eventual alta de arrecadação. Para 2024, o crescimento das despesas será apurado em dois momentos. Primeiro, considerando a arrecadação acumulada entre julho de 2022 e junho de 2023. Depois, considerando a receita do ano de 2023 cheio (janeiro a dezembro). A diferença entre esses dois momentos, se for positiva, vira um aumento de despesas real limitado a 2,5%.

A justificativa é que o governo Lula não poderia ser penalizado por uma queda de receita do governo Bolsonaro. E que precisava capturar um aumento de arrecadação no segundo semestre deste ano. Depois de 2024, o cálculo da despesa permanece sendo feito apenas em um momento, considerando a alta de arrecadação nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior.

Despesa do DF na regra

Outra mudança foi em relação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Havia pressão de parlamentares para excluir o fundo do limite de gastos do arcabouço. O Fundeb, porém, continuará dentro da regra.

— Um artigo deixa claro que o crescimento (do Fundeb) de 2% a cada ano vai ser acrescentado na base (total de gastos dentro da nova regra), vai ser cumulativo. Isso garante que o Fundeb não terá competição com a base — disse Cajado.

Na prática, é como se o crescimento real do Fundeb ficasse fora do limite de gastos.

Por pressão dos deputados, o relator também estabeleceu que um eventual contingenciamento (bloqueio) de despesas ao longo do ano para cumprir as metas fiscais será linear. Ou seja, o bloqueio de despesas será feito na mesma proporção em investimentos, custeio da máquina pública e emendas parlamentares.

Os deputados pressionaram por essa mudança para garantir que não houvesse um tratamento diferenciado e apenas as emendas fossem bloqueadas.

Será mantido dentro do limite o fundo para financiar os gastos do governo do Distrito Federal, o que vinha sendo criticado por parlamentares da região. Metade do orçamento do DF depende de recursos federais. Ontem, parlamentares pressionaram o relator para que as despesas saíssem do cálculo.

— Vou ter uma reunião com a bancada do GDF (governo do Distrito Federal) para mostrar que não vai haver prejuízo. O GDF vai ter sempre crescimento acima da inflação, com ganho real —disse Cajado.

Prioridade do governo neste momento, o projeto do novo arcabouço fiscal foi enviado ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em meados de abril. Desde então, foram semanas de reuniões para acertar o texto final. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encabeçou as negociações que acabaram endurecendo o texto, sob protestos até mesmo de integrantes do PT.

Haddad atuou para evitar emendas do próprio PT ao relatório de Cajado. O temor do ministro era da pressão interna de o partido fazer o texto não ser votado ou ser ainda mais apertado.

Foram apresentados cinco destaques de bancada ao texto. São alterações sugeridas pelos partidos, que precisam necessariamente ser votadas. Até as 23h40m de ontem, nenhum destaque havia sido votado.

O PSOL, partido da base do governo, apresentou um destaque para retirar do texto os gatilhos para sanções em caso de descumprimento da meta. O União Brasil, também da base, não apresentou destaques, mas apoiou as emendas protocoladas pelo PL. O partido de Jair Bolsonaro apresentou quatro destaques: voltar a ser crime de responsabilidade descumprir a meta fiscal; retirar o fundo constitucional do Distrito Federal da regra; retirar o piso de 0,6% para aumento de gastos, fazendo com que estes possam crescer abaixo desse percentual; e eliminar a possibilidade de crescimento maior dos gastos em 2024.

Tranquilidade para o  BC

Mais cedo, após reunião com Lira, Cajado e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Haddad disse que a tramitação da reforma tributária e do arcabouço fiscal no Congresso, ainda no primeiro semestre, vai gerar “tranquilidade muito grande” para o Banco Central e para investidores. Ele agradeceu publicamente “os esforços” das duas Casas:

—Vamos concluir este semestre, quem sabe, com a Câmara dos Deputados tendo se manifestado a respeito das duas matérias, e o Senado, pelo menos, em termos da questão do marco fiscal. Isso vai dar uma tranquilidade muito grande para os investidores, para a autoridade monetária, para os ministros do governo.

Lira e Pacheco associaram a redução da Selic à aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

— É o intuito de todos a redução gradativa da Taxa Selic. Podemos criar um ambiente para as reformas e de otimismo no Brasil. Estamos todos no mesmo barco — disse Pacheco, que se comprometeu a dar celeridade à tramitação do arcabouço assim que ele chegar no Senado.