Título: África-Brasil: irmandade
Autor: Benedita da Silva*
Fonte: Jornal do Brasil, 05/05/2005, Outras Opiniões, p. A11

Acompanhei, como integrante da comitiva brasileira, a visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a Gana, Guine-Bissau, Camarões, Nigéria e Senegal, na África.

A repercussão do emocionante contato que tivemos ao visitarmos a Ilha de Gorée, no Senegal, onde os nossos antepassados eram embarcados nos navios negreiros para a viagem atlântica, me instiga a fazer algumas reflexões sobre as novas relações que o Brasil vem mantendo com o continente africano, a partir da atuação do presidente da República.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que nunca um presidente brasileiro ampliou tanto as nossas relações comerciais, culturais e políticas com a África. Tratou-se, na semana passada, da quarta visita que o presidente Lula fez a África, fortalecendo, por conseguinte, a presença brasileira num continente com um dos passados mais ricos da história da Humanidade.

O presidente Lula, neste sentido, vem quebrando com impressionante determinação, os diversos paradigmas de nossas relações com a África, atendendo a antigas reivindicações dos movimentos negros, dos centros de pesquisa afro das universidades brasileiras e dos diplomatas africanos.

Nos últimos 20 anos, estes setores pediam mais proximidade brasileira em relação ao continente africano cuja rica e complexa cultura trazida pelo africano escravizado deu um rosto à sociedade brasileira, hoje, é a nação mais multirracial do planeta.

Ao ser tratado como líder do Terceiro Mundo pelos países africanos que têm visitado, o presidente Lula, na certa, não está com este respaldo à toa. O carismático Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, em Vencer é possível (Revan, RJ, 1998), já preconizava que o Brasil - pela sua economia, pelas potencialidades e dimensão territorial - deveria liderar o Terceiro Mundo na luta contra as políticas restritivas imposta pelos países do G-7 aos países pobres.

'' O poder de barganha de que necessitam os países em desenvolvimento será muito aumentado se apresentarem uma frente unida ao tentarem impactar o processo de globalização para atender às necessidades de nossos países e povos'', escrevera Mandela. As previsões dele deram certo, pois o Brasil liderou ano passado a formação do G-3 (junto com a África do Sul e a Índia) para fortalecer a posição dos países do hemisfério sul nas negociações do comércio exterior.

A liderança terceiro mundista que o Brasil vem conquistando não é somente para consolidar o apoio a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU com o voto africano, tampouco é uma simples relação comercial.

É verdade, por exemplo, que o comércio bilateral com a Comunidade Econômica da África Central (CEEAC) representa um auspicioso mercado de 118 milhões de pessoas. É verdade também que o comércio com a África pulou de 5 bilhões de dólares, em 2001, para 6,5 bilhões, em 2004.

Mas é preciso ressaltar o processo de irmandade que vem sendo estabelecido nestas relações, a partir de um passado muito próximo entre o Brasil e África. As dívidas dos países africanos conosco vêm sendo justamente renegociadas; estamos abrindo as nossas universidades para estudantes africanos, que aqui ganham bolsas; estamos levando para a África técnicas modernas de combate à Aids, além de modernos implementos agrícolas, e ao mesmo tempo, colocando em disponibilidade nossos técnicos mais qualificados para resgatar positivamente o continente africano.

Podemos sentir a gratidão dos dirigentes africanos com essa interação Brasil-África. Os abraços intensos das lideranças negras em todos de nossa comitiva, os presentes dados ao presidente, a emoção, o choro, a esperança pela construção de uma rede solidariedade inesgotável e as perspectivas de um mundo menos desigual entre os povos nortearam a quarta viagem do presidente Lula à África.

*Benedita da Silva foi governadora do Estado do Rio de Janeiro