Título: Patrimônio histórico ameaçado
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 05/05/2005, Rio, p. A17

Vigia consegue deter assaltantes na Igreja Nossa Senhora do Carmo. Quadrilhas especializadas enviam imagens sacras para o exterior

As imagens religiosas estão na mira do crime. Quadrilhas especializadas desafiam a Polícia Federal, em especial no Rio, e roubam o patrimônio das igrejas, em escala que foge ao controle do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ontem, ao contrário de outras ações criminosas, as estatísticas foram favoráveis à cultura e à ação policial. A imagem de Nossa Senhora Aparecida voltou ao altar depois de passar a noite na 1ª DP (Praça Mauá). O esforço do vigia da Igreja Nossa Senhora do Carmo, antiga catedral do Rio, Gilberto da Silva, 31 anos, impediu que a santa fosse parar na sala de decoração de algum colecionador de objetos. - Esses milionários excêntricos fazem as mais absurdas das encomendas. Os que vão ao local roubar são os que ganham menos nessa história - disse Deuler Rocha, titular da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico (Delemaph) da PF, responsável pelas investigações de qualquer objeto histórico de valor cultural inestimável, furtado ou roubado no estado.

As quadrilhas especializadas são o calcanhar de aquiles da Delemaph, que mantém contato com a Interpol, para chegar aos receptadores do roubo. Segundo o delegado, o que desaparece no Rio pode estar na Argentina, ou em cidades norte-americanas, como Nova York e Miami, e até na Europa.

- As mais recentes informações indicam que Portugal entrou na rota das quadrilhas, abrindo as portas da Europa para os milionários, que deveriam ser classificados como tarados por obra de arte - contou.

A ação dos ladrões de obras de arte são investigadas pela Polícia Federal. Em sua maioria, os criminosos agem à noite ou de madrugada e atendem a pedidos específicos. Imagens de santos são avaliadas no mercado negro em cerca de R$ 3.500. De acordo com Deuler Rocha, as quadrilhas dão preferências às igrejas católicas históricas, porque são locais públicos, freqüentados por pessoas de todas as classes sociais.

A conclusão do delegado resume o que aconteceu na Igreja Nossa do Carmo, por volta da 21h30 de terça-feira, quando o vigia foi surpreendido por dois homens.

- Com certeza, eles se esconderam no confessionário, depois que a igreja fechou - conclui o pernambucano Gilberto, vigia e devoto de Padre Cícero, que se agarrou a Santa Terezinha, enquanto brigava com os ladrões.

O objetivo do vigia era fazer o alarme disparar, por isso se atracou com os ladrões até chegar ao alcance de um dos 16 sensores eletrônicos espalhados pela igreja, que este ano sofreu oito tentativas de furto. O tenente Cortes, do 13º BPM (Praça Tiradentes), chegou com duas patrulhas minutos antes dos assaltantes abandonarem a imagem, perto de uma das entradas principais, e pularem os tapumes. A fachada da paróquia está em restauração, financiada pelo Iphan, ocupando boa parte da extensão das ruas Primeiro de Março e Sete de Setembro, no Centro.

- Os tapumes facilitam a ação dos bandidos. Lamento apenas não ter prendido os ladrões - disse Cortes.

De acordo com o Iphan, o Rio tem 524 obras de arte desaparecidas, todas de igrejas católicas construídas nos séculos 17 e 18. Entre os objetos listados estão esculturas, painéis, sinetas e castiçais. A assessoria da arquidiocese não se pronunciou sobre o fato, em virtude da viagem do cardeal Dom Eusébio Oscar Scheid à Alemanha.