Título: O presidente e os juros
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr
Fonte: Jornal do Brasil, 06/05/2005, Opinião, p. A11

Os juros e o combate à inflação foram temas centrais da entrevista coletiva do presidente da República na sexta-feira passada. O presidente procurou, por um lado, endossar a política do ministro Palocci. Por outro, deixou transparecer a sua inquietação com alguns problemas, particularmente com o nível das taxas de juro no país.

A inquietação é compreensível. Os juros brasileiros são anômalos para qualquer padrão internacional de comparação, como procurei explicar no artigo da semana retrasada (''Insistindo no erro'', Jornal do Brasil, 22 de abril de 2005).

Diferentemente do que talvez pensem o presidente e sua equipe econômica, não parece possível atribuir essa anomalia à taxa de inflação brasileira. Integrantes da Fazenda e do Banco Central costumam apontar a inflação como responsável pela taxa de juro real elevada, condicionando a diminuição da segunda à convergência da primeira aos níveis observados no resto do mundo.

Tem fundamento essa argumentação? Aparentemente, não. É verdade que a inflação no Brasil ainda é relativamente alta em comparação com a da maioria dos outros países. Mas o diferencial de inflação é muito inferior ao diferencial de juros reais.

A desproporção é imensa, mesmo quando deixamos de lado os países desenvolvidos. A taxa de inflação brasileira é de cerca de 7,5% contra uma média de 5% nos principais países ''emergentes''. Já a taxa de juro real brasileira alcança mais de 13% contra uma média de 2% nos ''emergentes''!

Seja como for, é significativo que o presidente tenha reconhecido como um dos principais erros do seu governo não ter conseguido, até agora, que ''os juros não sejam o único padrão de controle da inflação''. Lula não entrou em detalhes, mas declarou que está buscando outros caminhos e instrumentos para combater a inflação - sem pirotecnias, apressou-se a ressalvar.

Ótimo. O caminho atual tem sido extremamente destrutivo. E não há dúvida de que existem alternativas não-pirotécnicas.

Uma maneira de abordar a questão é decompor a taxa de inflação em três componentes principais: a) a inflação dos preços livres domésticos; b) a inflação dos preços livres transacionáveis internacionalmente; e c) a inflação dos preços administrados ou monitorados por contrato.

A política de juros atua basicamente sobre os dois primeiros componentes. Reduz o primeiro via compressão da demanda agregada e o segundo via valorização cambial. O preço que se paga é a retração da atividade econômica e a deterioração do balanço de pagamentos em conta corrente. Além disso, há efeitos colaterais adversos sobre o custo da dívida pública e a distribuição da renda nacional, como expliquei no artigo acima citado.

Que outros caminhos seriam possíveis? Que outros instrumentos acionar? Vamos dar alguns exemplos.

Primeiro: não tentar forçar a convergência rápida da inflação aos níveis internacionais. Objetivos menos ambiciosos e uma aplicação mais flexível do regime de metas para a inflação permitiriam sobrecarregar menos a política de juros.

Segundo: o terceiro componente acima referido, que responde por quase um terço do IPCA, é praticamente insensível à política de juros, sobretudo no curto prazo. Grande parte do problema está no regime de indexação (com uso de índices inadequados, como o IGP) para reajustar preços em áreas como energia, telecomunicações e outras. Muito da inflação recente deriva dos acentuados aumentos desse tipo de preço. O governo Lula já deveria ter iniciado, há muito tempo, um processo de revisão das regras de indexação, herdadas das privatizações do tempo de Fernando Henrique Cardoso.

Terceiro: os impostos de importação e exportação podem ser usados para conter o segundo dos componentes da inflação, isto é, os preços comercializáveis internacionalmente. O presidente fez referência à diminuição das tarifas de importação sobre o aço. Outras tarifas podem ser diminuídas, de maneira seletiva e temporária, para conter a alta de preços externos de produtos importados. Os impostos de exportação podem ser aumentados, também seletiva e temporariamente, para conter a alta dos preços internos de produtos exportáveis que estejam sob pressão no mercado internacional. Os excelentes resultados da balança comercial abrem espaço para usar esse tipo de instrumento.

Quarto e último exemplo: a diminuição das taxas de juro e o crescimento da economia que dela resultaria tenderiam a melhorar os resultados das contas públicas. Se o governo se valesse desse espaço para reduzir impostos indiretos sobre bens ou serviços domésticos, produziria um choque de oferta positivo, o que contribuiria para conter a inflação e, simultaneamente, estimular a atividade econômica.

Essas e outras iniciativas seriam perfeitamente capazes de abrir espaço para taxas de juro mais civilizadas no Brasil.

Uma dúvida, entretanto: será que os donos do poder econômico-financeiro têm interesse real nisso?