Título: A arte de ''puxar barriga''
Autor: Elaine Bittencourt
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, País, p. A2
Elas são Marias, Jovelinas, Rossildas, mas bem que poderiam ser todas chamadas de Socorro. A figura da parteira se perdeu no tempo e no imaginário brasileiro quando o País se urbanizou, a partir da década de 50 e os nascimentos em maternidade passaram a ser quase uma regra. Hoje, ouve-se falar destas senhoras quase como figuras folclóricas. Na ''era da cesariana'', contudo, o cineasta e jornalista Evaldo Mocarzel embrenhou-se no Amapá para dar face à mulheres que, em alguns casos, trouxeram ao mundo mais de 500 crianças, no documentário Mensageiras da luz - Parteiras da Amazônia'', que tem estréia prevista para o fim do próximo mês, com distribuição da Mais Filmes. Mocarzel, grande vencedor no mês passado do 9Cine PE por Do Luto à Luta - documentário sobre Síndrome de Down - dividiu seu trabalho em nove blocos, em que retrata de maneira comovente a vida de mais de duas dezenas de parteiras amapaenses, das mais de mil existentes no estado, segundo registros da Associação das Parteiras Tradicionais do Amapá. Um dos grandes vazios demográficos do Brasil, o antigo território possui uma população de pouco mais de 600 mil habitantes, distribuída em 144 mil quilômetros - média de 4 habitantes por quilômetro quadrado - e uma estrutura médico-hospitalar insuficiente para atender a todas as suas parturientes.
O resultado é que essas senhoras, que acreditam terem recebido de Deus a missão de ''puxar barriga e pegar criança'', acabam tendo uma função social extremamente significativa no estado. Mocarzel soube como conduzir seu filme e conquistar a confiança das parteiras - mulheres, via de regra, caboclas ou negras, analfabetas e muito arredias - de modo a ressaltar esta importância.
Certamente, seu maior mérito no longa foi ter conseguido registrar dois partos, um deles muito complicado.
- Não haveria nenhum sentido em fazer um filme sobre parteiras e não mostrarmos um nascimento - afirma o diretor.
Quando exibido no Festival Cine PE de 2004, a seqüência arrancou aplausos emocionados da platéia durante a projeção. O problema do longa, por outro lado, reside no fato de o cineasta ter incluído no documentário cenas da cesária de seu filho caçula. Realizada num moderno hospital em São Paulo, a seqüência em paralelo ao difícil parto no Amapá pode ser equivocadamente interpretada pelos espectadores mais desavisados como uma ''defesa das cesarianas'', prática vista com restrições pela Organização Mundial de Saúde.
- Nem de longe, essa é a intenção do filme - garante o próprio Mocarzel.
As figuras destas ''feiticeiras da floresta'', profundas conhecedoras de remédios naturais e técnicas de parto centenárias, passadas de mãe para filha, estão devidamente registradas na película. O documentário nos faz entender por que o remoto Amapá é lugar com maior índice de nascimentos normais do Brasil (88%), mas, principalmente, ensina a olhar com respeito o trabalho destas mulheres tão dignas e altruístas.