Título: Com a vida nas mãos
Autor: Elaine Bittencourt
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, País, p. A2

''Parteira, minha gente, é uma pessoa divina. O primeiro médico nasceu de parteira. O primeiro governo que houve foi nascido de parteira. Quantos senadores, deputados, governadores, nasceram de parteira? É meu apelo minha gente, vamos lutar por uma vida melhor.'' Com estas palavras Glória, parteira baiana que aos 59 anos contabiliza ter trazido 120 crianças ao mundo, clamou pela regulamentação de seu ofício durante a Reunião Nacional de Parteiras Tradicionais, realizada no ano passado, em Oliveira dos Campinhos, interior da Bahia. O apelo de Glória não é novo e há anos tem sensibilizado alguns setores do governo e organizações não-governamentais que batalham para melhorar as condições de trabalho de um contingente enorme de mulheres que, silenciosamente e sem reconhecimento, fazem nascer boa parte dos brasileiros. A causa de Glória tem atraído numerosos simpatizantes. É o caso da publicitária Bia Fioretti, que há dois anos pesquisa o tema. O envolvimento com o assunto tornou-se maior desde o ano passado, quando participou da reunião.

- Comecei a usar meu talento para divulgar o problema - conta.

Nestes dois anos, a publicitária tem fotografado e colhido depoimentos para a composição do projeto Mães da Pátria. Entre os objetivos, pretende fazer um livro e uma exposição que ajudem a divulgar a importância e as reivindicações dessas mulheres. Futuramente, Bia quer trabalhar com capacitação. Enquanto busca patrocínio, usa recursos próprios.

Os primeiros resultados começam a ser mostrados no site www.maesdapatria.com.br, no qual constam retratos e depoimentos que revelam a beleza e a dificuldade de quem dedica a vida a ''pegar criança''.

Segundo a deputada Janete Capiberibe, autora do Projeto de Lei nº 2.354, sobre a regulamentação da profissão, existem no Brasil cerca de 60 mil parteiras. Estas mulheres fazem cerca de 20% dos partos da zona rural, número que aumenta para 40% em áreas das regiões Norte e Nordeste, segundo dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde de 1996.

A experiência da antropóloga Soraya Fleischer, que pesquisa o treinamento das parteiras para sua tese de doutorado, mostra o quanto elas são fundamentais para algumas comunidades. Depois de observar a atuação delas em duas cidades da Ilha de Marajó, Breves e Melgaço, a pesquisadora arrisca que nestas localidades 70% dos partos são desta maneira.

Mesmo sendo a única opção de atendimento em locais de difícil acesso, as parteiras sofrem com a miséria e com o preconceito. Soraya explica que muitas até possuem uma tabela de preços. Mas raramente recebem ou o pagamento é feito com pequenos presentes, como frutas e galinhas. Mesmo assim, elas nunca se recusam a atender às pacientes. Consideram-se escolhidas por Deus, donas de um dom sagrado.

- Todo trabalhador é digno do seu salário. Por que só as parteiras têm que se contentar com um 'muito obrigado' - questiona a parteira Prazeres, em depoimento colhido por Bia Ferreti durante a reunião nacional.

As perspectivas de remuneração esbarram no preconceito, principalmente dos profissionais de saúde.

- A parteira tem um papel de liderança, além de conhecimentos gerais de saúde. São respeitadas por isso. No Pará, pude perceber que elas são chamadas pelas mulheres assim que a menstruação cessa. Fazem um pré-natal informal, verificam vacinas, observam se há desnutrição e como está a formação do bebê - conta Soraya.

Apesar disso, poucas conseguem algum tipo de entrosamento com o sistema de saúde.