Título: Sistema de identificação digital está parado
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, País, p. A5

O grande projeto de última geração do governo federal para combater o crime organizado - o Sistema Automatizado de Identificação de Impressões Digitais (Afis) - está praticamente parado. Inaugurado em agosto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a um custo de US$ 35 milhões (R$ 86 milhões), o sistema não está digitalizando as fichas criminais dos institutos de identificação dos Estados. No ano passado, o sistema conseguiu digitalizar 2 milhões de fichas, grande parte relacionada a crimes federais. Os institutos de identificação dos Estados, no entanto, dispõem de 8 milhões de fichas criminais e só enviaram uma parte. São raros os casos de digitalização completa. O Rio Grande do Sul foi a exceção: enviou 300 mil fichas para Brasília.

Os maiores problemas para a digitalização estão relacionados com os Estados campeões em estatísticas criminais. Rio de Janeiro e São Paulo, segundo delegados da Polícia Federal, não enviam suas fichas. Para um dos especialistas, o que ocorre, na verdade, é ciúmes de uma parcela das polícias dos estados, que estariam resistindo ao envio por entender que o mérito da solução de crimes ficaria apenas com a esfera federal.

O setor de digitalização possui 15 computadores ligados ao Afis, quase todos desligados, e vários papiloscopistas à espera de fichas a serem registradas.

A equipe tem capacidade de digitalizar 10 mil fichas por dia. O sistema permite que um bandido seja identificado somente com 25% da área de sua impressão.

Alguns delegados federais não têm dúvidas de que há ''boicote'' de certos Estados para não enviar as fichas a Brasília.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública, no entanto, nega o boicote dos Estados para a digilitalização das fichas. Segundo os técnicos da própria secretaria, o sistema está praticamente parado em função de uma discussão jurídica do Ministério da Justiça sobre a interligação com os institutos de identificação estaduais.

A meta do Ministério da Justiça era fazer a interligação até dezembro do ano passado, mas o projeto parou à espera de parecer jurídico.

- Não há resistência política. A secretaria é cobrada pelos institutos de identificação para acelerar a integração - diz Daelson Viana, um dos diretores da secretaria nacional.

Segundo ele, São Paulo está com 900 mil fichas criminais prontas para enviar a Brasília e o Rio também vem negociando o envio para a PF, mas tem cobrado mais garantias quanto à segurança do sistema.

Mesmo funcionando com apenas 25% do seu potencial, o Afis já vem dando resultados. Somente no mês de abril, foram levantados pela PF mais de mil casos de suspeitos que têm mais de um documento registrado, com a mesma impressão digital. R. S. S., de São Luiz dos Montes Belos (GO), é um exemplo. Ele tem sete registros de documentos em sua digital, em nomes diferentes como Paulo Gonçalves, Sidney José e Fernando dos Santos.

Pela estimativa inicial dos técnicos da PF, em pelo menos 5% das digitais analisadas até agora constam mais de um documento em nome dos bandidos. Significa que os marginais se apresentavam com documentos e nomes diferentes sempre que eram presos e, assim, beneficiados com a condição de réis primários.

Com a unificação dos cadastros, a identificação fica mais fácil. O Afis descobre até ''fantasmas''. Há pouco, uma emissora de TV produziu uma série de reportagens para mostrar a facilidade falsificar documentos em São Paulo. Os produtores conseguiram criar o fantasma Victor Lustig Imbroglione. O personagem ganhou vários documentos, se casou e morreu na reportagens. Mas o sistema da PF conseguiu localizar o verdadeiro Imbroglione. Pela impressão digital, identificou um alagoano que tem ficha por latrocínio e que, agora, deve responder por falsificação de documento.