Título: Gasoduto une Irã, Índia e Paquistão
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, Internacional, p. A9

Dois mil e seiscentos quilômetros de gás encanado prometem desenvolver regiões pobres, entrelaçar antigos inimigos e tirar alguns clérigos do isolamento político mundial.

Na última sexta-feira, o secretário indiano para o Petróleo e o Gás Natural, S. C. Tripathi, afirmou que 2010 é o ano. Segundo o secretário, os governos em Nova Délhi, Islamabad e Teerã estão decididos a levar à frente o projeto de um gasoduto de US$ 4,5 bilhões, que liga a segunda maior reserva de gás natural do mundo - a iraniana, estimada em 26,6 trilhões de metros cúbicos - até as economias emergentes do Sul da Ásia, ávidas por energia para as indústrias locais.

O projeto, de fato, foi lançado pela primeira vez em 1993, mas vinha padecendo dos conflitos entre a Índia e o Paquistão pela região de Caxemira. Agora que linhas de ônibus interligam as duas partes da área disputada e líderes dos dois países trocam visitas e cordialidades, o governo indiano espera finalizar as negociações nos próximos três anos.

A obra tem sido vista por muitos analistas como um jogo de três vencedores. A Índia é um mercado em demanda crescente por energia. Enquanto o consumo de gás natural no país chegou a 25 bilhões de metros cúbicos (m³) em 2002, as estimativas apontam a necessidade de 34 bilhões de m³ para 2010 e de 45,3 bilhões de m³ para 2015.

No caso do Paquistão, se a obra for mesmo realizada, Islamabad receberá entre US$ 600 milhões e US$ 700 milhões por ano, somente por ceder parte do território do país à passagem do gasoduto. Além disso, Teerã já concordou em prover US$ 200 milhões para o desenvolvimento paquistanês e as duas nações preparam a criação de uma agência mútua de investimento, como parte de um programa de impulso às relações bilaterais. Como se não bastasse, a obra também levaria empregos às regiões paquistanesas do Baluquistão e do Sind, entre as mais pobres do país.

Ainda sem deixar o Sul da Ásia, os benefícios do que vem sendo chamado do ''gasoduto da paz'' ultrapassam os ganhos econômicos ao estabelecer laços mais fortes de interdependência entre dois países que em pouco mais de 50 anos lutaram três guerras. Como diz a teoria, quanto maior o custo do rompimento das relações, menor a chance de um conflito violento.

- Este é um dos principais pontos do projeto, que depende de uma solução para as desconfianças políticas mútuas no Sul da Ásia. É preciso convencer quem vai financiar o empreendimento de que não haverá problemas neste campo - explicou, ao JB, o professor Jonathan Stern, Diretor de Pesquisa em Gás do Instituto de Energia da Universidade Oxford, na Grã-Bretanha.

Para o Irã, o gasoduto é uma chance de o país dar mais ênfase a um mercado internacional que vem se fortalecendo nos últimos anos, o do gás. Em cima de 26,6 trilhões de gás natural em reserva, Teerã administra uma produção de apenas 76,5 bilhões ao ano. O consumo é basicamente interno e o país só exporta para a Armênia e a Turquia. Recentemente, foram assinados acordos para o fornecimento de 10 bilhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito (GNL) por ano para o Omã, a partir de 2006, e de 10 milhões de m³ por dia para o Kuwait, com início em 2007. Somente na segunda negociação, Teerã garantiu a entrada no país de US$ 7 bilhões ao ano, durante o próximo quarto de século.

- A conclusão do negócio com a Índia é muito importante para o Irã porque vai reduzir parte do isolamento político do país e vai transformá-lo de vez em uma referência de peso no mercado internacional de gás - afirmou Bill Samii, especialista em energia da Universidade Cambridge.

De olho no orçamento milionário do projeto, o governo russo ofereceu, na semana passada, ajuda para a construção da tubulação de 2.600km, 760km só no Paquistão. Da mesma forma, os governos de Nova Délhi e Pequim já iniciaram as negociações para uma possível expansão do plano até o território Sul da China, passando por Myanmar.

Quem não está gostando da história são os Estados Unidos. Washington reclama dos ganhos financeiros que o ''gasoduto da paz'' proporcionará ao regime iraniano e pressiona Islamabad e Nova Délhi para não seguirem em frente com o plano. A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, em visita ao Sul da Ásia, em meados de março, protestou pessoalmente ao primeiro-ministro Manmohan Singh e ao presidente Pervez Musharraf sobre o projeto.

''A obsessão do governo Bush com o Irã ameaça atrapalhar uma iniciativa que pode avançar na solução de muitos dos problemas da região'', resumiu o especialista americano George Perkovich, em um artigo recente publicado no The New York Times.