Título: ''Festa de lágrimas nos olhos'
Autor: Viktor Litovkin
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, Internacional, p. A12

Hoje, 8 de maio de 2005, completam 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, com a capitulação alemã. Para a Rússia, amanhã, 9 de maio, é o 60º aniversário da vitória na Grande Guerra Pátria, chamada também de ¿festa de lágrimas nos olhos¿. A União Soviética entrou na guerra em 22 de junho de 1941, quando a Alemanha nazista já havia conquistado quase todos os países do continente, incluindo a França. O conflito durou 1.418 dias, tendo causado à União Soviética enormes perdas e tornando-se uma das provas mais duras já vividas pela Humanidade.

A URSS, que incorporava para além da Rússia outras 15 repúblicas, perdeu 26,6 milhões de pessoas, ou seja, mais de metade de todas as mortes da II Guerra Mundial, que somam 50 milhões. Só nos territórios ocupados, as tropas nazistas exterminaram mais 11 milhões de pessoas, dos quais 7 milhões de civis.

Moscou enfrentou o golpe mais duro por parte das tropas nazistas, já que a Frente Oriental (soviética) combateu cerca de 85% das divisões alemãs. A URSS resistiu ao longo de anos, praticamente sozinha, ao bloco de Hitler na Europa, que além da Alemanha contava com Itália, Espanha, Hungria, Romênia, entre outros países. Moscou foi obrigada a manter parte das suas divisões no Extremo Oriente, aguardando a investida do Japão, aliado da Alemanha, que já entrara em guerra contra os Estados Unidos.

A própria Alemanha também sofreu enormes perdas, de 13 milhões de pessoas. A Itália perdeu cerca de 500 mil soldados. As maiores perdas entre os países ocupados sofreu a Polônia ¿ 6 milhões. A França perdeu 600 mil. Inglaterra, que não chegou a ser ocupada pelas tropas hitlerianas, perdeu 370 mil habitantes.

Na Segunda Guerra Mundial os EUA perderam 407.316 pessoas, mais de 671 mil ficaram feridas e quase 79 mil desaparecidas.

Na Ásia, as perdas humanas também foram enormes. A China contabilizou mais de de 5 milhões de mortos; o Japão, 2,5 milhões. Mas foram também impressionantes as perdas entre a população civil: cerca de 350 mil pessoas. A maior parte destas vítimas, 270 mil, morreu no ataque atômico americano a Hiroshima e Nagasaki.

Embora as mortes em outros continentes tenham sido menores, cada óbito violento, seja de soldado, homem, mulher, criança ou velho, é sempre uma tragédia, interrompendo a continuidade natural das gerações. Estas milhões de pessoas que morreram poderiam ter dado sua contribuição para a Humanidade, abrir horizontes para o avanço tecnológico e cultural, para o combate às doenças, à pobreza, à fome, às epidemias.

Foram também monstruosos os prejuízos econômicos e sociais da Segunda Guerra Mundial. Segundo economistas ocidentais, os danos são calculados em mais de US$ 4 bilhões. Este valor inclui não só os custos materiais relacionados com operações propriamente militares, mas também as perdas financeiras resultantes da devastação das economias na Europa e na Ásia. Inclui ainda as despesas feitas nos anos anteriores à guerra na acumulação de reservas, manutenção e preparação das Forças Armadas, preparação dos teatros de guerra, assim como a reconstrução de empresas, fábricas, aldeias e cidades, os juros dos empréstimos militares, o pagamento dos subsídios e pensões.

Só os orçamentos militares dos países envolvidos na guerra totalizaram US$ 1,1 trilhão, dos quais US$ 695 bilhões referentes aos países da aliança anti-hitleriana e US$ 422 bilhões à Alemanha e os seus aliados.

As despesas da União Soviética com a guerra, no período de 1941 a 1945, ficou em 582,4 bilhões de rublos. A quantia não pode ser calculada em dólares ou outra moeda estrangeira conversível, pois a economia soviética não estava relacionadas com a dos outros países. Mas podemos constatar que as despesas militares diretas de Moscou atingiram 55% de seu Produto Interno Bruto (PIB). Os danos materiais da guerra nos territórios da Rússia, Bielorrússia, Ucrânia, Moldávia e das repúblicas do Báltico somaram 41% do prejuízo integral, de todos os países envolvidos na II Guerra Mundial.

Os invasores nazistas destruíram, total ou parcialmente, 1.710 cidades e localidades da URSS, deixando sem teto cerca de 25 milhões de habitantes. O prejuízo no setor agrícola foi colossal. Os soldados de Hitler pilharam, mataram e levaram para a Alemanha 7 milhões de cavalos e 17 milhões de cabeças de gado. Em termos monetários, a devastação que os ocupantes nazistas provocaram na economia nacional da União Soviética é avaliada em mais de 1 trilhão de rublos da época, ou seja, mais de 30% da riqueza nacional.

Os outros países ocupados também sofreram enormes perdas materiais. Na Polônia, por exemplo, os nazistas destruíram 40% do patrimônio público, resultado do trabalho de duas gerações de polacos. Na Iugoslávia, foram arrasadas cerca de 40% das empresas. As perdas materiais da França constituíram US$ 21,5 bilhões. No fundo, só os EUA conseguiram escapar de semelhantes prejuízos. Mesmo assim, perderam US$ 1,267 milhões, o que equivale a 0,4% dos danos de todos os Estados que participaram na Guerra.

Deixemos, porém, de falar de feridas ainda não cicatrizadas da II Guerra Mundial, que fizeram a Humanidade retroceder dezenas de anos, levaram muitos países da Europa e Ásia à ruína e à fome, mesmo após o fim de ações militares, e que posteriormente dividiu o mundo em dois sistemas políticos opostos, dando origem a uma nova confrontação, a Guerra Fria. Destaquemos os momentos positivos da Guerra, pois eles também existiram, e as lições. A primeira e principal é que a única forma de o planeta resistir às ameaças globais é através da unidade de todas as forças progressivas, independentemente das orientações políticas e ideológicas.

A aliança anti-nazista que se formou na Segunda Guerra, com ajuda econômica e militar mútua ¿ congregando países tão diferentes em termos de regime político como URSS, EUA, Grã-Bretanha e França ¿, aproximou a vitória comum e a derrota absoluta do fascismo europeu. Foi este pacto que nos deu a vitória que chamamos na Rússia de ¿festa com lágrimas nos olhos¿. Também lançou as bases para o próximo fim da guerra na Ásia e a capitulação do Japão militarista. Tal união, apesar das contradições temporárias, é extremamente necessária hoje, na luta contra as novas ameaças do século XXI: o terrorismo internacional, a propagação de armas de destruição em massa, o extremismo religioso e o narcotráfico.

A Rússia e o seu povo, que sofreram na sua pele todos os horrores da Segunda Guerra e da qual se tornaram um dos principais vencedores, apóiam tal união. Nossa contribuição é o lema que nasceu naqueles anos distantes, mas inesquecíveis: ¿Juntos somos invencíveis!¿

Viktor Litovkin

Coronel russo perito em assuntos da Segunda Guerra Mundial