Título: Mérito da responsabilidade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, Opinião, p. A16
A despeito de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter o hábito de adequar os discursos ao gosto da platéia que o assiste, as sucessivas declarações públicas referentes aos rumos econômicos e políticos traçados na sua gestão sugerem um notável amadurecimento de considerável parcela do Partido dos Trabalhadores - exatamente a fatia que hoje comanda os rumos da administração no Palácio do Planalto. A semana de comemoração dos cinco anos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi especialmente pródiga na revelação de tal evidência.
Tanto o presidente Lula quanto o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reafirmaram a convicção de que prevalece hoje no governo do PT de uma esquerda adaptada à sensatez da vida real. Apesar das tentativas forjadas pelas cassandras habituais, abandonou-se, em definitivo, o campo das experimentações irresponsáveis, das promessas vãs, da vocalização de técnicas econômicas extravagantes. Para o bem do país, assumiu-se o saudável compromisso com a boa governança, balizado pela firmeza na condução da política macroeconômica, na adequação a exigências universais das economias modernas, como o equilíbrio fiscal e a salvaguarda da estabilidade monetária.
A gestão petista se tem revelado de uma incompetência sem par em muitas áreas. Desorganização administrativa e ineficiência da máquina se combinam em alguns ministérios e explicam em parte os tímidos resultados obtidos por uma parcela do governo. O núcleo gerencial da economia, no entanto, supera a administração tucana. E cabe a este núcleo o mérito de garantir os bons ventos que movem hoje o Brasil.
''Eu aprendi, na minha vida, que não se pode brincar com economia'', disse o presidente Lula, num de seus discursos da semana. ''Você faz aventura em qualquer lugar do mundo (...), mas na economia tem que agir com seriedade, principalmente num país que tem a vulnerabilidade que nós ainda temos''. Enunciada por um político que até pouco tempo vociferava contra o ''modelo neoliberal'', atacava duramente as diretrizes ''impostas'' pelo Fundo Monetário Internacional e rejeitava a aprovação de uma lei histórica como a LRF, a declaração constitui um notável avanço para o amadurecimento da economia e da política brasileira.
Some-se o louvável pedido de perdão de Palocci pelos equívocos do PT por ter votado contra a lei fiscal, proposta e aprovada no governo Fernando Henrique. Foi um gesto de humildade, em nome do próprio e dos petistas que hoje estão no poder. Insista-se: as maiores autoridades da esquerda brasileira submeteram-se ao fato de que a Lei de Responsabilidade Fiscal significou um momento histórico para o país. Sem ela, o Brasil estaria pior. Permitiu, afinal, impor novas regras para União, estados e municípios, limitando gastos e contribuindo para reduzir substancialmente um dos maiores desastres verificados na história do país: o afrouxamento das despesas do setor público.
A histórica leniência estimulou os graves processos inflacionários com os quais o Brasil padeceu nas décadas de 70, 80 e metade dos anos 90. Somados aos sucessivos planos de estabilização mal-sucedidos, turvaram a visão dos administradores públicos e da sociedade em geral quanto à real situação das contas públicas e, conseqüentemente, a eficácia do Estado no cumprimento das tarefas que a população espera dele. Tais problemas foram parcialmente superados. Há, porém, muito o que fazer. O capitalismo evidenciou a inexistência de caminhos para o desenvolvimento econômico, social e político que não fosse pela via das reformas institucionais.
Convém, portanto, apressar o passo e dar continuidade à série de mudanças iniciadas no governo anterior e perseguidas na gestão atual. Uma das delas é a reforma trabalhista, para que possa promover a desoneração do custo da geração do emprego. Também se esperam um maior grau de desvinculação entre receitas e despesas no Orçamento público e, sobretudo, uma profunda reestruturação do Estado brasileiro - capaz de torná-lo mais leve, menos perdulário e mais eficiente. Transformações na estrutura de impostos completam a lista de desafios a enfrentar.
A trajetória responsável conduzida pelo governo Lula tem ajudado a enaltecer uma esquerda moderna na América Latina, especialmente revelada no Chile, México, Uruguai e Argentina. Contribui ainda para recusar estratégias golpistas e aventureiras, como a Venezuela de Chávez. Tal avanço é irrefutável. O salto seguinte será dado com a necessária qualidade da gestão estatal - assegurada por meio das reformas estruturais. Bom para a região, melhor para o Brasil.