Título: Gil: um acerto de Lula e do Brasil
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, Outras Opiniões, p. A17

Feliz é o Brasil por ter um ministro da Cultura como o Gilberto Gil. Foi das mais acertadas a intuição de Lula ao escolhê-lo. É claro que foi uma decisão difícil. São muitas as pessoas de talento nas áreas da cultura, das artes, da música, da literatura, do teatro e do cinema com muita afinidade com o presidente e com as lutas nas quais ele próprio e o PT se engajaram nas últimas décadas pela realização da justiça e pelo aperfeiçoamento da democracia - e todas poderiam estar à frente daquela missão. Desde os primeiros momentos de sua gestão, entretanto, percebi que Gilberto Gil desempenharia um papel de enorme significado à frente do ministério por causa de sua história, do que ele é, e pela maneira com que conduz a sua ação em qualquer parte do Brasil ou no exterior. Mais uma vez tive esse sentimento ao assistir na quarta-feira o espetáculo Eletracústico no Teatro Nacional de Brasília. Através de suas músicas, algumas feitas com parceiros notáveis, ou daquelas que escolhe para cantar, Gilberto Gil tem sido capaz de expressar de maneira tão bela os melhores sentimentos dos brasileiros e da humanidade. Como na Catedral da Sé, em São Paulo, no dia 18 de abril, quando o secretário-geral da CNBB o convidou para encerrar a celebração do Ato Ecumênico pela Campanha de Desarmamento cantando a canção que compôs com João Donato:

''A paz invadindo meu coração/ De repente me encheu de paz/ Como se o vento de um tufão/ Arrancasse meus pés do chão/ Onde um dia não me enterro mais/ A paz fez um mar da revolução/ Invadir meu destino a paz/ Como aquela grande explosão/ Uma bomba sobre o Japão/ Fez nascer um Japão na paz''

Na sua apresentação, Gil falou sobre as quatro viagens que fez ao Senegal, a última delas acompanhando o presidente Lula. Contou da emoção ao ver o porto de onde saíam os negros para se tornarem escravos no Brasil, no Haiti, nos EUA ou outros países das Américas. O lugar inspirou Gilberto que, juntamente com Capinan, compôs a bela A lua de Gorée:

''A Lua que se eleva/ Sobre a ilha de Gorée/ É a mesma lua que/ Sobre todo o mundo se eleva/ Mas a lua de Gorée/ Tem uma cor profunda/ Que não existe/ Em outras partes do mundo/ É a lua dos escravos/ A lua da dor/ Mas a pele que se encontra/ Sobre os corpos de Gorée/ É a mesma que cobre/ Todos os homens do mundo./ Mas a pele dos escravos/ Tem uma dor profunda/ Que não existe/ Em nenhum outro homem do mundo/ É a pele dos escravos,/ Uma bandeira de liberdade.''

Gil sempre homenageou os amigos e os lutadores. Um deles, o saudoso jamaicano Bob Marley. Gil escolheu para seu repertório algumas das suas mais belas canções, a Three Little Birds:

''Não se preocupe com qualquer coisa/ Porque cada pequena coisa vai ficar bem/ Cantando: ''Não se preocupe com qualquer coisa''/ Porque cada coisa vai ficar bem./ Levante-se esta manhã/ E sorria com o nascer do sol''

Seja na ONU, convidando o Secretário Geral Kofi Annan para acompanhar a batucada, ou ao lado do presidente Lula quando este convidou os chefes de Estado para debater o combate à fome e à pobreza no mundo, seja ainda ali no teatro, Gil mexe com as pessoas ao cantar:

''Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós/ Tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz/ Tenho que encontrar a paz/ Tenho que folgar os nós''

E continua a nos fazer visualizar o Rio na hora de cantar a sua homenagem tradicional à mais bela cidade: ''O Rio de Janeiro continua lindo/ O Rio de Janeiro continua sendo/ O Rio de Janeiro, fevereiro e março''

Gil nos revira os sentimentos nas músicas dos amigos Caetano Veloso, Luiz Gonzaga e dezenas de outros, como quando canta A Rita de Chico Buarque:

''A Rita levou o meu sorriso/ No sorriso dela/ Meu assunto/ Levou junto com ela/ E o que me é de direito/ Arrancou-me do peito/ E tem mais''

Parabéns ao Brasil por produzir um artista excepcional como Gilberto Gil. Na mesma quarta-feira, antes do espetáculo, o ministro Gil teve uma audiência com o presidente Lula sobre a importância de descontigenciar parte significativa dos 53% dos recursos orçamentários - da ordem de R$ 500 milhões - previstos para a sua pasta em 2005, para os mais diversos projetos. Ele saiu otimista.