Título: Democracia e geografia
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 09/05/2005, Internacional ? Além do fato, p. A12

Relembramos neste 2005 que há 20 anos o Brasil se reencontrava com a democracia.

Mas o aniversário festejado no Brasil não se restringe às fronteiras nacionais. Coincide com os vinte anos da posse do presidente Julio Maria Sanguinetti como presidente eleito da República Oriental do Uruguai, e com quase 22 anos da chegada democrática do presidente Raúl Alfonsín ao ¿Sillón de Rivadavia¿.

A democracia que aqui ancorou há 20 anos completava um quadro de normalização institucional na região que acabaria por se estender, nos anos 80, a toda a América do Sul.

Em agosto de 1985 fiz minha primeira viagem internacional como presidente do Brasil. Visitei Montevidéu e tratei com o presidente Sanguinetti os temas que nos afligiam: democracia e desenvolvimento econômico e social; fortalecimento das instituições políticas e dívida externa.

Em 29 de novembro do mesmo ano, encontrei o presidente Alfonsín para inaugurar a Ponte Tancredo Neves que ligava Foz do Iguaçu a Puerto Iguazú e, quebrando toda a rigidez com que o protocolo diplomático havia montado o programa oficial, convidei o presidente da Argentina a visitar a usina de Itaipu a 3 km dali.

A foto que registrou a cena dos presidentes do Brasil e da Argentina, tendo como fundo as águas vertidas da hidrelétrica, é para mim um marco histórico irreversível.

Ali encerramos décadas de rivalidade. As águas que nos separaram por anos serviam agora como símbolo de uma nova trilha que usava a geografia para nos unir e para iluminar um caminho aberto de cooperação.

Se alguma dúvida ainda restava da determinação com que inaugurávamos uma nova era, essas foram sepultadas pelas visitas que realizamos, eu e o presidente Alfonsín, aos centros de pesquisa nuclear em Pilcaniyeu, na Argentina, e a Aramar, no Brasil. As duas bases, cercadas pelo sigilo com que eram conduzidos os programas nucleares, foram repentinamente abertas à visitação dos Chefes de Estado. Foi o fim da desconfiança. Deixamos para trás o terreno, com forte conotação militar, em que tratávamos nossos negócios e abrimos nossas conversas para buscar formas de solucionar problemas comuns.

Com os presidentes Alfonsín e Sanguinetti assinamos declarações, instrumentos, protocolos, acordos e todos tipos de documentos que a diplomacia criou ao longo da história para aproximar países. Eram a conseqüência natural de um sonho compartilhado, de uma meta comum, de termos redescoberto que a geografia só poderia nos unir.

Nosso projeto de integração frutificou no Mercosul. Se hoje discutimos estatísticas de comércio, tarifas, comércio com terceiros, velocidade de ampliação do bloco e outros temas que preenchem matérias de jornal, isso é prova de que há 20 anos retiramos definitivamente de pauta os itens verdadeiramente perigosos.

Hoje, energia nuclear e efetivos militares entre nossos países só merecem menção no contexto de cooperação. Isso faz 20 anos.