Título: Antídoto para o desperdício
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 08/05/2005, Economia, p. A19

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai publicar até o fim do mês a regulamentação do decreto nº 5.348, que autoriza o fracionamento de medicamentos nas indústrias e farmácias brasileiras. A agência acredita que a nova legislação contribuirá para reduzir o desperdício de remédios no país, que segundo o órgão regulador chega a 20% de toda a produção da indústria farmacêutica.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o desperdício chegou no ano passado a R$ 4 bilhões, de um faturamento total de R$ 19,8 bi da indústria farmacêutica no país. Ainda segundo o Idec, só o governo federal comprou R$ 1 bilhão em medicamentos que acabaram não sendo utilizados.

Para Dirceu Raposo, diretor da Anvisa, o fracionamento não apenas reduzirá estes desperdícios, mas também aumentará o acesso da população aos medicamentos e reduzirá o custo dos tratamentos.

- Não vai acontecer a redução do custo unitário do medicamento, mas a queda do gasto do consumidor, que só pagará pelo que consumir - afirma.

O fracionamento não será obrigatório. Indústrias e farmácias terão a opção de manter seus produtos inalterados, mas Raposo aposta que a concorrência falará mais alto. Segundo ele, a margem de lucro média das farmácias, de 30%, garante a capacidade de ofertar produtos fracionados, mesmo com o governo federal não dando, até o momento, sinais de que permitirá o aumento do preço unitário dos medicamentos.

- Acredito que, dois a três meses após a saída da regulamentação, os consumidores já encontrarão medicamentos fracionados nas farmácias.

De acordo com o texto exposto para consulta pública encerrada no mês passado, apenas as farmácias, e não as drogarias, estarão aptas a fracionar medicamentos. Dos cerca de 55 mil pontos de venda ligados à Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma), 27.414 são cadastrados como farmácia e estão aptos a manipular produtos médicos.

Além disso, o fracionamento no varejo deverá ser conduzido por um farmacêutico registrado, realizado em um cômodo exclusivo para a prática e a venda deverá ser feita seguindo obrigatoriamente as indicações contidas na receita médica, que será carimbada. Uma cópia da receita ficará armazenada na farmácia e medicamentos de lotes diferentes não poderão ser vendidos em conjunto.

Pais com filhos pequenos já vislumbram vantagens e custos menores na hora de tratar das doenças infantis.

Valéria Laval Silva, arquiteta de 32 anos e mãe de Lucas, de 10, Luísa, de 8, e André, de 4, sofre com as fortes variações de temperatura. Basta o calor dar uma trégua e a chuva fina de outono chegar que os sintomas de gripe, sinusite e rinite alérgica aparecem nas crianças.

- A sobra de remédios é grande. Às vezes compro caixas de antibióticos e antiinflamatórios que acabam ficando no armário e perdem o prazo de validade. Preferiria não perder dinheiro desta forma - lamenta Valéria.

A arquiteta vê com bons olhos a iniciativa, mas teme que a falta de pressão dos consumidores e a fiscalização insuficiente comprometam o projeto.

- É bom saber que de agora em diante só vou comprar o que precisar usar, mas o problema é que para a lei pegar tem que haver um compromentimento de vários segmentos da sociedade - diz.

Já os pais da arquiteta, Edison e Joana de Campos Pereira, ambos de 58 anos, não esperam benefícios. O casal toma remédios de uso contínuo, o que torna a sobra uma raridade.

- Sei que vou tomar alguns remédios para pressão a vida toda. Por isso, acho que o fracionamento será indiferente para mim - conclui o administrador de empresas, que tem um custo mensal de R$ 500 com medicamentos.